domingo, 22 de junho de 2008

Capítulo 32

Capítulo 32

Logo que entrou na saleta, Bernardo abriu uma caixa ao lado da mesa e pressionou um botão. Sorrindo indicou com a mão que não poderiam ser vistos nem ouvidos pela segurança. Ele sentou numa das poltronas e Urando ficou de pé olhando em volta ainda muito desconfiado.
- Pode ficar tranqüilo! – Bernardo se espreguiçou. – Essa conversa é só nossa.
- Como posso ter certeza? – Urando sentou na outra poltrona ao lado do amigo.
- Eu garanto! – Bernardo falou encarando fixamente Urando que relaxou.
- Eu confio em você!
- Como foi que se meteu aqui dentro? – Bernardo perguntou se mostrando curioso.
-Uma história para mais tarde. – Urando encarou o amigo. – Me explique o motivo de seu retorno.
- Vou pular algumas partes desnecessárias! – Bernardo maneou a cabeça. – Me disseram que precisavam de mim para ter uma conversa com você e retirar um monte de suspeitas que estavam na sua mente. No inicio achei estranho, mas quando me disseram que perderia o amor de sua vida, resolvi que só conversando com você saberia se realmente deseja isso.
- O que lhe disseram pode até ser verdade, mas acredito que pediram também para me dizer alguma coisa mais, não foi?
- Não pediram nada, apenas que viesse e contasse como eu estava vivendo caso esse fosse seu interesse!
- Como está vivendo?
- Nem queira saber! – Bernardo estalou a língua. - Uma delicia!
- Deixe de ser bobo, me conte tudo! – Urando se interessou de verdade. – Por que não foi ao nosso encontro?
- Não deu! – Bernardo coçou a cabeça. – Me disseram que eu poderia conhecer minha mãe, pensei que ela estava por perto e nunca imaginei que era um outro planeta.
- Está certo! – Urando suspirou com impaciência. - Continue sua história.
- Quando me apresentaram a possibilidade de encontrar minha mãe, fiquei pensando só nisso. Foi muito chato. Ela não demonstrou qualquer afetividade e nem parou para conversar, Apenas sorriu e disse que estava com muito trabalho. Senti-me um idiota e já pensava em voltar para casa como disseram ser possível. Uma mulher me abraçou e disse que eu era muito bonito para ficar triste e pouco depois estávamos na cama. Nunca havia feito isso, ela me ensinou muito bem. No dia seguinte foi uma outra mulher a agora não paro de ser seduzido. Adoro isso!
- Você está sendo utilizado como um reprodutor! – Urando falou com ar de nojo.
- Adoro ser reprodutor! – Bernardo gargalhou.
- Cada um segue por onde acredita ser o melhor caminho! – Urando deu de ombros. – Agora me fale do planeta.
- O que você tem medo?
- Não gosto de como elas agem! – Urando falou lentamente buscando seus receios mais íntimos. – Algo me diz que nem tudo é como dizem.
- Precisa conferir! – Bernardo levantou-se. – Aquele planeta é parecido com o nosso, no entanto é mais frio e quase não tem homem. Calmo e sem a agonia daqui, não tem lugar cheio. Muita mulher bonita e elas gostam de viver umas com as outras.
- Já me disseram isso!
- Lá a vida é muito confortável e se pode escolher melhor o trabalho. Estou me preparando para estudar, acho que vou ser médico ou sei lá o que... não sei ainda. Eles possuem um programa de estudo que é muito bom, bem diferente do nosso. Eu aprendo com facilidade e não vamos precisar fazer novamente aquele tipo de coisa que você inventou na ultima prova.
- Nem me fale disso! – Urando se colocou de pé. – Vou pensar no que me disse sobre conferir, talvez seja o melhor caminho, o risco e não me deixarem voltar.
- Isso eu não sei! – Bernardo deu de ombros. Vamos voltar para o salão, a noite é de Jurdha.
Os dois saíram da saleta abraçados e logo se despediram no salão. Urando se encaminhou para a caixa de transporte, mas foi detido por Morga que parecia aflita. Os dois se entreolharam com carinho e ela estava com os olhos molhados por lagrimas. Ele passou o dedo suavemente no rosto da moça que o abraçou.
- Não quero que você desapareça de minha vida. – Ela choramingou.
- Isso também me angustia! – Ele suspirou.
- Não volto sozinha! – Ela passou o rosto no peito dele para enxugar as lagrimas.
- Tenha calma! – Ele pediu com carinho. – Não estamos morrendo!
- Eu morro sem você! – Ela lamentou.
- Vá trabalhar, depois conversamos!
- Não vou trabalhar mais, vou ficar com você!
- Então vamos subir até seu quarto, no meu, tem um velho que ronca muito!
Os dois sorriram e entraram na caixa de transporte. As idéias ainda estavam confusas para Urando, ele sabia que não poderia se deixar levar apenas para o lado da emoção, teria de ter cuidado, afinal de contas era sua vida inteira que estava em jogo. Os dois entraram no quarto de Morga cheios de de desejos e aos poucos foram se desnudando e fizeram amor como se aquele fosse o ultimo dia de suas vidas.
Urando cansado adormeceu com a cabeça latejando de tanta preocupação. Não gostava de saber da interferência daquelas mulheres na vida da Terra, e muito menos na sua, isso era algo que o indignava. Morga demorou em conciliar o sono, mesmo exausta e satisfeita ainda sentia muito medo de perder aquele rapaz. Ficou um bom tempo escutando a respiração calma dele e adormeceu sem notar.
O restante da noite foi como um momento que não existiu para ambos. Só quando Urando acordou pela manhã e viu a bela Morga adormecida e tranquila, completamente despida, acariciou suavemente sua barriga, teve a certeza que estaria bem em qualquer lugar do universo ao lado dela, mesmo que as duvidas ainda estivessem trancadas na sua cabeça. Teria de arriscar. Por um amor verdadeiro, aquela mulher amada, seria capaz de perder a própria vida.
- Mulheres... – ele murmurou e suspirou, deu um beijo nos lábios de Morga que acordou sorrindo.

FIM

sábado, 21 de junho de 2008

Capítulo 31

Capítulo 31

Pelo comunicador, a operadora de segurança avisou para Morga que Urando estava chegando no salão e que fatalmente encontraria com Bernardo que também estava indo para lá. Aquele encontro não estava previsto para tão cedo, só deveria acontecer pela manhã.
Morga sabia que não poderia interferir, mas também deveria acompanhar tudo de perto. Terminou de atender ao cliente e se posicionou para acompanhar os passos do namorado. Viu quando os dois sem abraçaram e ficou emocionada. Tudo começou a dar errado exatamente por causa do sumiço desse tal de Bernardo. Ela não poderia deixar de pensar que “Até aquele idiota faltar ao compromisso com Urando, a vida dela entrava numa via bem controlada, agora poderia perder o amor de sua vida para sempre”.
Aquele era seu ultimo dia de trabalho no Bar Lamento, não haveria como retroceder seus passos, estaria voltando para Azzim. Seu coração estava apertado, era um sentimento que não poderia explicar, uma sensação de impotência e de impaciência ao mesmo tempo. Teria de se empenhar para convencer Urando e leva-lo também ou sua vida perderia o sentido.
Quando os dois saíram na direção das saletas reservadas, se apressou em segui-los de maneira discreta, acompanharia a conversa pela escuta de segurança. Assim que eles fecharam a porta, ela correu para a sala de controle e ligou a escuta.
- Isso é proibido! – Disse a controladora.
- Esse assunto é justificado, qualquer coisa solicite Vindara! – Morga falou com segurança mantendo o olhar na tela e ouvidos atentos observando Urando e Bernardo.
Os dois ficaram em silencio por algum tempo e para surpresa de Morga, Bernardo sabia exatamente como desligar o sistema de segurança. A imagem desapareceu e o som nem surgiu. Por algum tempo, permaneceu diante de uma tela vazia, não podia acreditar que o idiota fosse tão esperto. Sem ter outra alternativa, saiu da sala de controle de segurança e voltou para o salão.
Sua mente fervia na duvida. Até aquele momento não se ativera ao foto de que estavam forçando uma situação e que Urando poderia se negar em contribuir com sua genética maravilhosa. Ela se apaixonara e isso não era fácil de entender. De qualquer forma, preferia perder o seu amor a ter obrigá-lo a seguir um caminho que não desejasse.
Nada daquilo fora previsto. Era apenas para ela continuar uma vigilância discreta que a colocaram naquele apartamento, mas ele conquistara seu coração de maneira plena. Dando um muxoxo, voltou ao trabalho não adiantava ficar perfurando os sacos cheios de ar que voavam em seu cérebro, não continham qualquer idéia para minorar a situação que se metera.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Capítulo 30

Capítulo 30

Depois que Morga saiu prometendo que tentaria voltar mais tarde, Urando começou a ficar ainda mais preocupado com o que realmente poderia acontecer. Seu amigo Lin Ping, deu uma risada discreta quando o rapaz comentou sobre sua falta de confiança em tudo que havia visto até aquele momento.
- Vamos ver um pouco do que elas nos permitem, vou acessar essa maquina e buscar informações. – Lin Ping ligou um computador que estava sobre uma bancada ao lado do aquário. – O local é muito relaxante. - Bocejou. – Não vejo até agora motivos para permanecer preocupado. Nós entramos furtivamente e ao que parece, elas não se chatearam muito.
Durante quase uma hora, eles navegaram por diversos caminhos e encontraram descrições fabulosas sobre o planeta Azzim. Detiveram-se na experiência propriamente dita. Eram explicações de resultados de testes que não entendiam, mas podiam perceber que era um trabalho criterioso.
Finalmente, Ling Ping começou a fazer buscas pessoais e encontrou a ficha de sua amada com fotos da época em que os dois viviam apavorados, mas felizes num amor tumultuado. Era quase que um filme, todos os momentos públicos dos dois estavam registrados. Urando já estava ficando chateado, pois seu amigo parecia viver na fantasia de uma recordação e esquecia onde estavam. Percebendo a inquietação do rapaz, Lin Ping sugeriu que tentassem descansar e no dia seguinte tomariam as decisões.
- Afinal, não estamos correndo riscos aparentes. – Lin Ping mostrou onde queria deitar. – Para mim, a coisa toda é um grande mistério, mas pretendo encontrar com Raina e esclarecer tudo.
- Devíamos sair daqui, circular por esse prédio e ter certeza...
- Calma Urando! – Lin Ping acenou para que deitasse. – Amanhã...! – Se espreguiçou e deitou.
Não havia mais nada para ser dito. Urando percebeu que o seu professor havia se rendido ao fruto de uma promessa que poderia ser mesmo uma armadilha. A única coisa que aquele homem, cansado e solitário, pensava no momento era na possibilidade de encontrar sua amada Raina e nada mais interessava. Sentia-se novamente isolado para resolver tantas duvidas que pairavam sobre sua cabeça.
Por algum tempo, ficou apenas olhando os peixes nadarem no aquário e escutando o ronco de Lin Ping. Sua cabeça estava ardendo, seus olhos fixos na lentidão dos peixes não ajudavam, precisava fazer alguma coisa para evitar um erro futuro, suas desconfianças poderiam não se justificar, mas elas existiam e não conseguia se livrar de uma coisa assim tão facilmente.
A primeira duvida era a mais angustiante. Urando sentia que não queria ir para Azzim, no entanto, ele perderia a mulher que amava, sabia que isso seria inevitável. Dando um soco no ar, revoltado com sua ignorância sobre o futuro saltou da poltrona como um gato e foi até a porta. Por algum tempo, permaneceu com o ouvido atento, não havia qualquer ruído no lado de fora. Passou a mão na fechadura magnética e para sua surpresa a porta abriu.
Até aquele momento acreditava que estivesse trancada para evitar uma possível fuga ou uma aventura perigosa pelo interior do prédio. Saiu da sala de repouso com passos cuidadosos e foi até onde ficava a caixa de transporte. Cruzou com uma das mulheres que trabalhava no Bar lamento e estranhou ser saudado de maneira natural.
Entrou na caixa e pediu “Morga” como da primeira vez. Em poucos segundos estava no Bar Lamento. Estranhando, saiu da caixa e foi até o salão com cuidado para não ser visto embora soubesse que seus passos deveriam ser acompanhados pelas câmaras do circuito interno. Recostou-se num canto e viu Morga atendendo um cliente na sala especial.
O dia havia sido de muitas surpresas e talvez suas idéias estivessem confusas. O comentário de Lin Ping começava a fazer sentido. Deveria se acalmar e esperar o dia seguinte. Não poderia imaginar novas surpresas acontecendo naquela noite. Mas, estava completamente enganado.
Repentinamente viu surgir do nada, vindo da direção da caixa de transporte, seu amigo Bernardo. Estava bem vestido e alegre de braços dados com uma bela mulher. Era um outro Bernardo que ele via nesse momento, não se parecia o mesmo. Andava com mais confiança e sorria o tempo inteiro falando baixinho ao ouvido de sua companheira.
Acompanhou com os olhos seu amigo que se sentou numa das mesas do bar. Aquela aparição era algo impossível de ser prevista. Por algum tempo ficou indeciso sem saber se abordaria o amigo. Depois de respirar profundamente algumas vezes e coçar a cabeça de maneira nervosa, saiu do seu esconderijo e foi até onde Bernardo estava.
Ficou de pé observando o amigo que não se dava conta de sua presença. Bernardo estava expansivo, alegre e muito descontraído. A mulher que o acompanhava sorriu para Urando e com um gesto de cabeça indicou que Bernardo deveria olhar para o lado. O rapaz ainda sorrindo se voltou e ao ver o velho amigo Urando se espantou e gargalhou levando-se com os braços abertos.
- Meu amigo! – Ele abraçou Urando de maneira entusiasmada.
- Não esperava entra-lo aqui! – Urando se afastou do abraço de maneira delicada.
- Me trouxeram para lhe ver! – Disse Bernardo ainda sorridente. – Conversaríamos amanhã!
- Para me ver? – Urando se mostrou intrigado.
- Me disseram que você pensava que algo de ruim poderia ter me acontecido. – Bernado pediu para o amigo sentar. – Essa é Jurdha, minha amiga...
- Prazer! - Ela estendeu a mão. – Você é famoso lá em Azzim, seu amigo ficou besta quando mostramos algumas imagens da época do orfanato.
- Elas esperam muito de você! – Completou Bernardo.
- Cometeram um grande engano! – Disse Urando com desdém.
- Que nada! – Bernardo olhou em volta e baixou a voz. – Vamos conversar no reservado?
Dando de ombros, Urando levantou-se e seu amigo deu um beijo rápido nos lábios de Jurdha. Ele nem sabia onde era o reservado, esperou que Bernardo indicasse o caminho. Ele também não sabia se poderia confiar nesse amigo que agora se mostrava bem diferente, no entanto, precisava mesmo ter uma conversa reservada.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Capítulo 29

Capítulo 29

Quando entraram na sala de repouso, a moça queria saber o que pretendiam fazer em primeiro lugar. Eles ainda estavam confusos sob o efeito das revelações inesperadas, mesmo assim quiseram conhecer o local de onde partia a comunicação e o transporte entre a Terra e Azzim.
Ela os levou rapidamente até o décimo oitavo andar onde o pé direito era de mais de dez metros. No centro de um salão todo revestido de um material áspero e brilhante, ficava um tubo de luzes que piscavam o tempo inteiro com aproximadamente uns cinco metros de diâmetro por um de altura. Diversos equipamentos de controle regulavam tudo instalados em painéis horizontais em forma de meia lua em ambos os lados.
Três mulheres vestidas com roupas prateadas se aproximaram e ao saber que a visita era uma sugestão de Vindara, se predispuseram em responder qualquer pergunta. De início, Urando e Lin Ping apenas caminharam observando os painéis em seguida começaram a indagar sobre as coordenadas e uma das controladoras explicou.
- Nosso planeta fica num quadrante simétrico ao da terra. – Ela olhou em volta buscando na mente uma maneira simplificada de explicar. – As partículas são desagrupadas num cilindro de luz, numa fração de segundos, voltam ao estado normal já no quadrante desejado. Para não haver um risco de perda de material durante a aceleração dos “etafenos”, um conjunto de agrupamento metabólico do organismo, precisamos definir com rigor o ponto de chegada.
- Se uma parte desses “etafenos” se perde o que ocorre? – Indagou Urando.
- A pessoa transportada pode ser danificada de maneira permanente, ou melhor, dizendo, perder funções cerebrais. – disse a mulher que explicava.
- O que se sente durante o transporte? – Indagou Lin Ping estremecendo.
- Um pouco de náusea e dor de barriga, mas dura apenas dois ou três segundos, isso acontece apenas na etapa de desagrupamento. – Ela sorriu. – Depois... nos outros cinco segundos, acontece o impulso definitivo e a sensação é de flutuar no vazio, muito excitante. Até cinco pessoas podem viajar simultaneamente sem se confundirem fisicamente.
- Elas vestem aquele uniforme de transporte. – Se intrometeu uma das outras controladoras apontando para uma mulher que entrou na sala vestindo um macacão feito de um material de transparência estranha, levemente fosforescente, luminoso como vidro, embora completamente maleável. – Essa mensageira vai partir agora, se quiserem podem assistir.
Eles se acomodaram num canto, a mulher vestida para viajar subiu para o centro do cilindro transportador e diante dos olhos deles se desintegrou num feixe de luz vermelho. Lin Ping olhou surpreso para Urando que parecia congelado apertando a mão de Morga.
Eles se deram por satisfeitos, agradeceram as informações das operadoras e foram visitar o berçário, local onde ficavam algumas crianças que seriam examinadas antes de seguirem para os orfanatos. Morga explicou no caminho que aquele local era completamente automatizado, as mães cuidavam parcialmente das crianças por seis meses, depois voltavam para Azzim com a missão concluída.
- As que nascem fora daqui, o processo se torna diferente, geralmente são deixadas imediatamente após o parto, o risco de morte para a mãe é muito grande, foi o caso de Raina, que para viver, abandonou a filha e o seu grande amor. – Disse Morga abraçando Lin Ping. – O caso de vocês é comentado no planeta inteiro.
- Não sabia da minha fama no seu mundo! – Disse o professor com amargura.
- Uma linda história de amor. – Morga suspirou. – Fizeram até um filme dimensional para ser visto nas universidades que estudam o sentimento, o sucesso superou as expectativas.
- Como Bernardo foi para lá? – Perguntou Urando olhando através do vidro, mais duzentas crianças adormecidas.
- Não sei! – Ela ficou pensativa. – Talvez tenha sido seduzido por uma fêmea reprodutora, talvez o modo de vida oferecido, sei lá, são tantas as possibilidades e cada um tem algo que deseja.
- Deve ter sido a possibilidade de encontrar sua mãe! – Disse Urando pensando em voz alta recordando a última conversa com o amigo.
- O que faria você abandonar a Terra? – Indagou Lin Ping.
- Morga! – ele falou sem pestanejar. – E você, querido professor?
- Raina, Jumi...
- Mulheres! – disse Morga com desdém.
- E você Morga, o que lhe faria ficar na Terra? – Indagou Lin Ping.
- Meu amor! – Ela sorriu entendendo a armadilha que eles lhe haviam preparado.
Naquela noite, a ansiedade estava atormentando a vida dos três. Durante o jantar foram comunicados que a solução do problema estava dependendo da aprovação da atual Ministra Maior e só pela manhã poderiam dar a conclusão daquele enredo. Mesmo nos braços afetuosos de Morga, Urando mantinha sua mente alerta, de alguma forma ainda não decidira se aceitaria um convite para visitar Azzim, sabia que havia o risco de ser uma armadilha.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Capítulo 28

Capítulo 28

A mudança de comportamento de Morga, fazia crescer uma nova desconfiança em Urando e Lin Ping. Ambos se mantiveram inquietos olhando tudo em volta, não conseguiam imaginar o que estaria realmente por acontecer e resolveram manter o silêncio. Não foi necessário aguardarem muito, logo uma parte da parede de vidro abriu e Vindara entrou no salão acompanhada por cinco mulheres.
Elas caminhavam lentamente e para surpresa de todos, reconheceram Jumi que veio ao encontro do pai e lhe abraçou falando baixinho ao seu ouvido. Em seguida sentou calmamente ao lado de Vindara na outra extremidade da mesa.
- O que ela lhe disse? – Indagou Urando desconfiado apertando o braço do professor.
- Disse que não corremos perigo!
Por algum tempo Vindara escutou as cinco mulheres falarem coisas que Urando e Lin Ping não entendiam. Morga tentava acompanhar tudo com muita atenção. Quando elas fizeram uma pausa para observarem algo que Vindara mostrava num pequeno aparelho, ela se voltou para o namorado.
- Estão discutindo sobre a necessidade de relatar toda a história. – Ela suspirou. –Jumi defendeu uma posição que chamava de imediata.
- O que isso significa? – Indagou Urando.
- Não sei, mas se for o que estou pensando, eu também defenderia essa posição. – Explicou Morga dando de ombros.
- Relaxem, vamos aguardar com paciência! – Pediu Lin Ping.
As mulheres voltaram a discutir de maneira acirrada, coisas que nem mesmo Morga era capaz de explicar. Os olhares de Urando e Lin Ping se concentravam em Jumi, de alguma forma acreditavam que ela estava defendendo a melhor posição embora não soubessem o seu conteúdo. O suor escorria pela testa de Urando que não conseguia controlar sua ansiedade e receios sem o colete, Lin Ping com as mãos cruzadas sobre o peito vestira o semblante com uma máscara indecifrável.
Depois de mais de uma hora, a discussão chegou ao seu final, elas sorriram e se cumprimentaram. Vindara, que parecia satisfeita, deu um longo suspiro e levantou-se acenando para Urando, Morga e Lin Ping se aproximarem para ocupar cadeiras mais próximas. Quando todos se acomodaram, ela pigarreou e sorriu.
- Não nos resta uma outra boa alternativa a não ser punir a falta de cuidado de Morga, seremos obrigadas a deixar tudo claro e sem mistérios de uma vez por todas e antecipar um planejamento elaborado por mais de vinte anos.
- Estou pronta para qualquer castigo! – Disse Morga de olhos baixos.
- Você estará de volta ao nosso planeta em muito breve. – Vindara olhou para Jumi que acenou com a cabeça concordando.
- Isso não me parece justo! – Disse Urando irritado.
- Tenha calma meu jovem! Se esperar mais um pouco verá que esse castigo não será uma coisa ruim. – Disse Vindara. – Para acabar com idéias equivocadas, peço que assistam com atenção por vinte minutos um documentário sobre nosso planeta, depois eu contarei detalhes específicos.
Ela fez um sinal para o alto, uma grande tela de definição primorosa surgiu saindo do piso, no fundo do salão. A primeira imagem eram estrelas em seguida um mar calmo de onde no horizonte aparecia nascendo um sol azulado com riscos amarelos para surpresa de Urando que havia sonhado com aquilo.
Depois de mostrar tomadas magníficas de campos completamente forrados de alimentos cultivados por autômatos com uma trilha sonora produzida por instrumentos desconhecidos, eles acompanharam a mudança de cenas rápidas passando por estradas modernas onde trafegavam inúmeros tipos de veículos. Uma grande cidade surgiu, e as ruas eram mostradas com detalhes, em seguida a imagem ficou congelada por alguns segundos diante de uma grande praça, onde centenas de mulheres muito belas andavam de um lado para outro carregando no semblante uma máscara de dúvida e melancolia. Alguns homens idosos passavam vez por outra e não havia crianças.
O sol azulado novamente e em seguida o sol amarelo da terra surgiu repentinamente o substituindo. O filme parecia ter chegado ao fim e ninguém conseguia entender muito bem o motivo daquela exibição. Urando observou no semblante do velho professor uma tácita demonstração de decepção por ver apenas imagens antigas do planeta Azzim. Quando Vindara explicou que agora seria exibida uma segunda parte, ele sorriu com malicia.
Novamente ela fez um sinal com a mão e na tela surgiu novamente a mesma imagem que iniciou o primeiro filme. Só que desta vez, foram mostradas ruas movimentadas e sim um prédio que parecia flutuar no ar onde se lia uma legenda em letras luminosas caracteres semelhantes ao da caixa de remédio que Urando encontrara com Morga. Vindara observou os semblantes confusos dos hospedes e traduziu “Laboratório de Procriação”. Começaram a surgir diversos úteros artificiais e uma mesa de reunião aonde uma dezena de mulheres discutiam. Uma narradora com voz calma começou a explicar em tom didático.
“Acaba de ser aprovado o projeto Procriação Terra, audacioso e com resultados de longo prazo, as primeiras experiências com semens de machos oriundos desse planeta, comprovaram que a reprodução ainda não será possível nesse momento em nossos laboratórios. No futuro teremos resultados positivos, quando forem feitas as miscigenações entre nossas mulheres e os machos da Terra. De acordo com a doutora Satter, precisaremos de um tempo muito grande para concluir os trabalhos, mas ele será fundamental para a sobrevivência da nossa espécie e do nosso planeta”.
A imagem se distorceu de maneira propositada e novamente apareceu no céu o sol azulado com riscos amarelos, em seguida casas começaram a surgir num bairro residencial, estava claro que era uma projeção virtual, crianças corriam pelas ruas, meninos e meninas acompanhados de homens jovens. Novamente a imagem distorceu e a imagem que parecia ser real surgiu, era a mesma praça mostrada no primeiro filme, crianças e homens passavam ao lado de mulheres que sorriam. Novamente a voz de uma outra narradora.
“O que foi projetado para procriar uma nova esperança em nosso mundo está acontecendo, hoje centenas de cidades já convivem com uma nova geração que começa a ser adaptada em nosso planeta. A vida agradece e podemos comemorar os resultados”.
O filme continuou mostrando o planeta Azzim como se ele estivesse se distanciando. A projeção foi concluída e a tela foi desaparecendo, retornando para a sua posição original no piso. Vindara explicou que eram fragmentos de imagens de noticiários exibidos em Azzim.
- Vindara! – Pediu Lin Ping para falar levantando a mão. – Não consegui entender o que pretende mostrando...
- Vou explicar! – Ela olhou para o teto. – As imagens iniciais eram da época em que a decisão de vir para a terra se tornou imprescindível. Nossos homens estavam sendo extintos, não havia como reproduzir mais uma geração de continuidade já que somente mulheres nasciam. A geração de homens produzidos pelo método de laboratório com semens armazenados era insignificante, em cada um milhão de crianças nascidas, apenas um era do sexo masculino e nem sempre saudável. Primeiro encontramos um problema nas relações afetivas, diante das circunstancias, não se podia evitar o desejo de mulheres sedentas de carinho, elas se completavam e esqueciam os homens. Embora nossa sociedade seja teoricamente conduzida por uma política Matriarcal, a vida exige tudo aos pares. Nosso planeta antes tão saudável e belo poderia morrer por falta de habitantes, nossa raça inteira não conseguia ter pela frente uma expectativa de sobrevivência no futuro bem próximo. A terra foi escolhida depois de muitas pesquisas, somos praticamente uma mesma espécie. Viemos em busca de machos, que gerassem filhos para uma sociedade calma e pacifica onde os homens se submetem de maneira dócil sem muitas contestações, por causa disso, evitamos temperamentos mais instáveis e turbulentos, como é o caso de Lin Ping. Não vou entrar em outros detalhes, sei que Raina deve ter contado essa parte para Lin Ping.
- Como vieram para a Terra? – Indagou Urando.
- Em uma nave especial, que demorou mais de um ano para atravessar a imensa distancia entre nossos planetas. – Explicou Jumi.
- Vamos diretamente ao que é mais importante nesse momento. – Disse uma mulher.
- Isso mesmo! – Vindara retomou a narrativa. – A vida na Terra precisava ser observada, por algum tempo, a nave ficou estacionada na órbita desse planeta, as doenças e vírus precisavam ser detectados para gerar a defesa orgânica de nossas mulheres. Nessa época, foi criado o composto mineral e de cultura de bacilos, denominado Xermo, um liquido azul injetável para compensar os efeitos do sol amarelo e prevenir doenças. Só depois disso, foi possível pousar e instalar o tele-transportador. Durante muitos anos, nossas voluntárias foram negativamente sendo influenciadas em suas ações pela cultura conservadora da Terra. Esse fato nos preocupava, as mulheres de Azzim que sempre detiveram o poder político, começaram a discutir sobre as mudanças de comportamento que essa experiência nos levaria. Os homens da Terra não se submetiam ao segundo plano da vida, por índole eram dominadores, mais ousados e imprevisíveis e não abriam espaços para as mulheres. Teríamos de preparar melhor essa sociedade avançando na liberdade feminina e cientificamente. Só assim estaríamos certas de que o processo seria controlado e para isso, as mulheres nativas da Terra deveriam aprender novos conceitos para receber da melhor forma qualquer alteração nos padrões já culturalmente estabelecidos. Isso foi sendo executado ao longo de séculos. No entanto, nosso principal problema se constituía no atraso tecnológico da Terra. Não poderíamos ser bruscas na nossa influência ou não haveria futuro. Para começar a ter uma produção satisfatória na geração de novos seres, passamos por soluções que nos surpreendiam. Primeiro, as coordenadas precisas para chegar nesse planeta em segurança, ficava numa parte do mundo ainda muito insignificante e cheio de problemas, com esforço e muita dificuldade espalhamos algumas de nossa mulheres pelo resto do mundo. As que ficaram próximas de cientistas, escritores, filósofos e políticos teriam um papel impulsionador. Posso garantir que não foi uma tarefa agradável. Algumas de nossas enviadas nessas missões, padeceram e até mesmo foram sacrificadas em nome do avanço cultural.
- Quando se refere as coordenadas exatas está falando dessa cidade que hoje moramos? – Indagou Urando baixinho para Lin Ping.
- Ninguém sabe a mulher que tem ao lado! – Disse o professor com um sorriso malicioso nos lábios.
- As coordenadas precisas estão exatamente no lugar que agora fazemos essa reunião. – Vindara suspirou percebendo a desatenção dos dois homens. – No início da operação, muitas voluntárias, nossas mulheres, morreram ao chegarem por desorientação molecular devido ao tele transporte, mas todo esse risco era necessário. Influenciamos descobertas maravilhosas que os homens comemoram, mas sempre havia uma mulher por perto para passar o conhecimento cientifico necessário muitas vezes já obsoleto em nosso planeta, sempre de maneira discreta. Aos poucos fomos deixando a Terra mais evoluída, tornando possível alguns empreendimentos mais audaciosos. Dentro de algum tempo, estaremos com nossa população estabilizada e voltaremos para casa sem a necessidade de manter toda a nossa organização, embora podemos garantir que será uma coisa lenta e gradual para evitar o caos.
- Se me permitem...- Disse uma das mulheres. – Nunca fizemos nada para prejudicar esse planeta, respeitamos a sociedade que encontramos, apenas lubrificamos algumas engrenagens para tudo evoluir mais rapidamente.
- Vocês raptaram pessoas...
- Calma Urando! – Disse Vindara. – Todos os homens que foram levados para Azzim, fizeram essa escolha por vontade própria, por falar nisso, seu amigo Bernardo foi um deles. Você seria convidado dentro de cinco anos, mas Morga antecipou nosso planejamento se envolvendo afetivamente...
- Não estou gostando dessa conversa. – Urando se exaltou. – Como me convidariam...
- Esse seu temperamento rebelde foi muito bem acompanhado. – Interrompeu Jumi. – A nossa querida professora Heloisa, nos enviou relatórios mensais.
- A diretora do orfanato é uma de vocês? – Indagou Lin Ping desconfiado.
- Preciosa voluntária colaboradora que faz um trabalho magnífico na seleção. – Disse Vindara se voltando para Lin Ping. – Realmente a professora foi muito habilidosa todos esses anos, graças ao seu trabalho, somos capazes de saber exatamente como fazer uma aproximação segura de nossos rapazes. No processo de elaboração e preparação de Urando, ele se mostrou o caso mais complicado que já encontramos. Filho de uma mãe calma e um pai genioso, a mistura explosiva que só na Terra é possível e difícil de prever. Ele seria preparado para uma missão muito maior, agora já não sabemos se ainda será viável.
- Que missão seria essa? – Indagou o professor.
- Não gosto que planejem minha vida! – Urando falou com indignação.
- Você é um líder natural. Seria um desperdício viver aqui na Terra para se tornar medíocre. Tem o perfil adequado para se tornar líder, o primeiro homem Ministro Maior, o que equivale aqui na Terra ao cargo de presidente. – Disse Jumi orgulhosa. – Poderá estudar melhor, se tornar um cientista, um homem com todos os requisitos para governar.
- Quem disse que quero governar? – Indagou Urando com deboche.
- Você sabia que Morga está grávida? – Indagou repentinamente Vindara encarando o rapaz que se assustou e arregalou os olhos. – Ela foi completamente maluca, não pensou um só minuto que você não devia ser envolvido ainda. Ela estava aqui apenas para colaborar no serviço do Bar Lamento, não estava inscrita no programa de reprodução da mesma maneira que Raina, ambas foram inconseqüentes. - Ela se voltou para Lin Ping.- A história se repetiu e temo que outras aconteçam fugindo ao nosso controle.
- O amor, a paixão e a cumplicidade romântica são coisas que aprendemos com vocês, no nosso planeta isso nunca foi coisa real, um sentimento desprezado. Nosso legado histórico de comportamento sempre esteve contido no padrão do desejo – Disse com ar sonhador uma outra mulher suspirando. – Também aprendemos com vocês o valor da música e seus benefícios, até como tocar vários instrumentos.
- Onde está Raina..., viva ou morta? – Indagou Lin Ping de supetão.
- Mamãe está viva e saudosa em Azzim, ela não consegue lhe esquecer, mas tem um trabalho importante por ser feito. – Disse Jumi olhando para o pai com carinho. – Ela voltou contrariada, não queria lhe perder, mas sabia que seria impossível levá-lo.
- Por enquanto, vocês estão liberados, Morga andará por ai com vocês para mostrar nossas instalações. – disse Vindara olhando demoradamente Urando. – Vamos continuar a reunião e se for possível, amanhã não precisará mais voltar a trabalhar naquela porcaria de serviço.
- Somos prisioneiros? – Indagou Urando desconfiado.
- De forma alguma...! – Vindara sorriu. - Apenas convidados, peço que nos ofereçam um credito de confiança por essa noite, poderão participar da nossa decisão e também terão oportunidade de escolher o que devem fazer de suas vidas.
- Estão convidados para conhecer Azzim! – Disse Morga eufórica. – Se aprovarem vai ser magnífico!
Eles levantaram silenciosos e se encaminharam junto com Morga para a caixa de transporte.

terça-feira, 17 de junho de 2008

Capítulo 27

Capítulo 27

As mulheres conduziram delicadamente Urando e Lin Ping para uma sala confortável com uma mesa de seis lugares e cadeiras em volta, havia aquários imensos forrando as paredes e mais ao fundo diversas poltronas reclináveis. Ainda temerosos, olharam em volta e não encontravam uma maneira de escapulir, deviam aguardar sem ansiedade o momento certo para tentar uma fuga caso se tornasse necessário, mas Lin Ping parecia calmo e comentou que deveriam se manter apenas atentos.
- Você sabe muito mais do que me contou! – Disse Urando segurando o velho professor pelo braço.
- Tenho a sensação de que também vou ficar surpreso com as informações que Vindara pretende nos oferecer.
- Você mentiu para mim. Não foi muito honesto de sua parte me deixar na ignorância...
- Deixe de nervosismo sem lucro! – Lin Ping se mostrou impaciente.
- Morga...! – Gritou o rapaz.
- Fique quieto! – Pediu Lin Ping. – Todo esse negócio começou no fim do século dezoito, um grupo de vinte e cinco voluntárias de pesquisa, saíram do planeta Azzim e vieram para cá. Estavam tentando encontrar uma solução para a sobrevivência em seu planeta, lá, não se conseguia mais gerar, não havia sido registrado o nascimento de homens nos últimos cinqüenta anos. Os cientistas detectaram uma alteração na atmosfera que provocava degeneração genética. Depois de pesquisarem por algum tempo, eles encontraram na Terra uma possibilidade, as raças eram muito semelhantes. No entanto o nosso sol se tornava um problema, daí a necessidade da medicação. As voluntárias descobriram coisas importantes, apenas duas sobreviveram para retornarem, foram de grande utilidade aos cientistas. Produziram um relatório preciso sobre a vida na Terra e como funcionava nossa sociedade.
- Como elas vieram para cá? – Indagou Urando desconfiado.
- Não podiam vir em naves, o tempo seria muito longo devido a distancia entre os dois mundos, o método encontrado, era novo e perigoso, o transporte molecular. Assim elas chegavam do nada em uma área determinada com coordenada específica. Descobriram que a vida no mundo aqui girava em torno do poder econômico e o ouro que para nós era de grande valor, elas possuíam esse minério em abundância e não valorizavam. Um outro grupo de voluntárias foi preparado seguindo as recomendações do relatório das primeiras. Encheram sacolas com peças feitas em ouro para fins específicos e vieram pensando em montar bordeis. Seria perfeito o disfarce, poderiam engravidar e sumir sem despertar suspeitas.
- Não podiam fazer inseminação artificial?
- Isso eu não sei os detalhes, mas parece que havia algo que não dava certo. No entanto, por mais de um século, poucos homens foram gerados, por algum tempo elas pensaram que estavam fracassadas, se tornara comum a morte das mulheres depois de darem a luz e a criança não resistia por mais de uma semana. Depois de muitas hipóteses ao longo de quatro séculos, ficou confirmado que apenas podiam gerar homens, se as voluntárias se relacionassem com parceiros geneticamente corretos de um determinado tipo sanguíneo “O Negativo” e deveriam parir aqui na Terra. Isso não seria muito fácil, as mulheres de Azzim detestavam o nosso planeta e seria difícil esconder da sociedade crianças que depois de algum tempo desapreciam sem deixar vestígio. Os bordeis não satisfaziam na hora da escolha genética. Elas eram obrigadas a se relacionar com homens de todos os tipos correndo riscos de vida. Finalmente no início desse século, eles encontraram a solução para os novos problemas detectados.
- O Bar Lamento? – Indagou Urando.
- Ainda não! – Disse Lin Ping sorrindo. – Compraram pequenas indústrias a beira da falência, injetaram capital e transformaram tudo numa corporação que hoje é conhecida pelo nome de Satter, em homenagem a idealizadora do projeto em Azzim. Ao longo de quase cem anos elas se adequaram ao comércio na Terra, no entanto o processo começou a ficar sofisticado. Algumas mulheres voluntárias ainda morriam de parto mesmo escolhendo os parceiros certos. Os filhos precisavam de cuidados antes de serem levados para Azzim. Não seria capaz de afirmar, mas acredito que o orfanato onde você foi criado seja um dos casulos. Talvez seu amigo Bernardo seja filho de uma dessas mulheres.
- Aonde entra o Bar Lamento? – Perguntou Urando com ansiedade. – Eu sou...
- Tenha calma! – Reclamou Lin Ping. – O motivo da aparente intolerância delas ao seu relacionamento com Morga, me faz crer que você não faz parte dos planos imediatos, deve ser como eu, filho de pais nativos.
- Sou “O negativo...”.
- Eu também. – Interrompeu Lin Ping demonstrando impaciência. – Só falei nisso para você acompanhar melhor a história.
- Que confusão! – O rapaz suspirou.
- O Bar Lamento foi uma idéia de um homem que não sabia o que fazer com dinheiro. Era um rico de nascença, mas na verdade gostava de ficar entre as belas mulheres sem se preocupar. Em pouco tempo, já estava cansado do negócio, nesse momento, veio uma proposta de compra e ele vendeu sem pestanejar. Um segundo grupo de mulheres de Azzim abriu uma empresa nova e assumiu o controle do Bar Lamento.
- Você sendo policial não denunciou?
- Já lhe disse os meus motivos, Raina estava envolvida, eu não poderia criar novos problemas para a mulher que amava e aparentemente nunca houvera um registro de intenções maldosas por parte delas. – ele suspirou se estremecendo e continuou. – Fui apanhado na armadilha mais velha do mundo, o medo!
- Já contou toda essa história para Jumi?
- Nem sei como dizer, mas tenho a impressão de que Jumi sabe mais do que eu! – disse o velho com ar muito desanimado. – Vamos descansar e aguardar para ver o que vai acontecer.
Por algum tempo Urando ficou vendo o velho professor cochilar ou fingir, estava inquieto e tenso. Seu coração lhe dizia que Morga sofria de alguma forma que não seria possível explicar. Um perfume suave exalava na sala mantida numa agradável penumbra, iluminada apenas pelos aquários, era muito relaxante. Acomodou-se numa poltrona diante de um deles e ficou com o olhar perdido observando os peixes nadando de um lado para o outro com movimentos lentos e suaves, relaxou o corpo e a alma, já não estava tão angustiado, logo foi envolvido por um sentimento de paz interior e adormeceu.
Ele sonhou que estava numa cama macia que flutuava no vazio, encolhido nos braços de Morga olhando as estrelas numa noite sem nuvens. Uma brisa suave acariciava seu rosto. Repentinamente no horizonte, começou a surgir um sol de cor levemente azulada com riscos amarelos. Assustado despertou confuso, olhou em volta com a visão ainda embaçada pelo sono. Lin Ping estava sentado à mesa comendo alguma coisa. Esfregou os olhos e levantou-se.
- Pensei que não acordaria mais! – Disse o professor sorrindo. – Venha comer, está uma delicia.
Ainda sentindo a boca grudada pela saliva grossa do sono, sentou-se ao lado do amigo e olhou a comida que estava servida. Era um peixe grelhado com uma salada de legumes e queijo de aparência muito agradável. Seu estomago realmente reclamava por alimento, consultou o seu relógio e viu que havia dormido por mais de cinco horas.
- Será um desses peixes de aquário? – Ele indagou com ar de quem faz uma brincadeira.
- Se for, na próxima vez quero escolher. – Disse Lin Ping sorrindo.
- Reparou como só tem mulher bonita nesse planeta Azzim?
- Nem pense em me trair! – Gritou Morga entrando na sala. – Sou temperamental e muito ciumenta.
Os dois se assustaram ao ver a moça entrar repentinamente. Ela sentou ao lado do rapaz e o olhou com carinho. Eles sorriram e se beijaram esquecendo a presença de Lin Ping que aplaudiu. Depois de algum tempo, Morga deu um suspiro.
- Terminem de comer, eu fui encarregada de levá-los depois até a cobertura onde vai acontecer uma reunião de emergência do conselho Administrador.
- O que pretendem com nossa presença? – Indagou o professor.
- Não sei! – Exclamou a moça nervosa.
Sem pressa eles comeram em silêncio, não sabiam o que pensar sobre aquela reunião. Morga acariciava os cabelos de Urando e o olhava cheia de ternura. Finalmente satisfeitos, levantaram da mesa e acompanharam a moça até a caixa de transporte. Ela olhou em volta abraçou Urando e falou a palavra “Reunião”, a porta fechou. Novamente eles sentiram um solavanco suave e a porta voltou a abrir, estavam diante de um amplo salão todo coberto por vidros azuis divididos em quadrados por molduras negras e uma mesa com mais de vinte lugares.
- Sentem aqui! – Pediu Morga também se acomodando.
O ambiente era perfumado e uma música suave saia de algum lugar que não era possível identificar. As aparências eram enganadoras aos olhos de Urando e Lin Ping.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Capítulo 26

Capítulo 26

Depois de algum tempo envolvida no prazer do abraço amado, como quem acorda de um sonho ruim, Morga se estremeceu, lembrou do perigo que corriam. Olhando em volta demonstrando aflição apertou nervosamente a mão de Urando.
- Não temos muito tempo, logo o alarme vai ser acionado, eu consegui detê-lo por enquanto, solicitando confirmação. – ela puxou o rapaz pela mão. – Bernardo já foi enviado, precisamos sair daqui e depois pensar numa maneira de resgatá-lo.
- Não posso abandonar meu amigo...
- Bernardo está vivo e não corre perigo, talvez nem queira ser resgatado. – Disse Morga gaguejando. – Ele foi por vontade própria embora não soubesse de todos os detalhes.
- Está certo! – Urando deu de ombros e olhou para Lin Ping em busca de auxilio.
- Tem algo errado nisso tudo! – Exclamou o professor coçando a cabeça.
- Vocês não devem se envolver mais do que já fizeram! – Disse Morga como quem implora para ser ouvida.
Eles caminharam na direção da porta que repentinamente abriu, dessa vez o susto foi imenso, Vindara estava na caixa de transporte com uma dezena de mulheres bem armadas. Todos se assustaram, nem as mulheres esperavam encontrar Lin Ping e Urando naquele local. Durante alguns segundos ninguém parecia entender o que estava acontecendo.
- Foi uma surpresa e tanto! – Exclamou Vindara encarando Morga. – Foi você que os orientou até aqui?
- Nós viemos por nossa conta. – Se adiantou Urando.
- Acredito que a senhora terá muito prazer em nos explicar muitas coisas. – Lin Ping deu um passo na direção de Vindara. As mulheres sacaram as armas. – Não precisam temer um velho e um menino. – Ele falou com desdém.
- Eu o conheço muito bem! – Vindara acenou para as suas moças abaixarem as armas. – O seu maior pecado é ser intrometido e ao que parece, arrumou um parceiro muito parecido, se fossem pai e filho eu entenderia.
- O que vamos fazer? – Indagou uma das mulheres.
- Por enquanto, eles serão nossos convidados, os acomodem no setor de relaxamento, dentro de poucas horas já teremos uma solução. – Vindara se voltou para uma moça pequena com ar de criança. – Kogira, faça contato com o conselho e convoque uma reunião imediata, assim que todas chegarem, nossos hospedes serão encaminhados para o salão da cobertura. Quanto a você...- Ela abraçou Morga. – Precisamos ter uma longa conversa, fique aqui e não se preocupe, não faremos nenhum mal aos dois.
Vindara pediu com um gesto que Lin Ping e Urando acompanhassem as mulheres. Eles entraram na caixa de transporte com muita desconfiança, mas de nada adiantaria reagir naquele momento. Assim que a porta da caixa fechou, Vindara puxou Morga pela mão e a fez sentar.
- Minha querida, você se precipitou! – Ela começou a andar de um lado para outro. – Nesse momento, não vou ficar reclamando, nem negar que cometi um erro grave ao acreditar que uma coisa assim não fosse possível. Enquanto me aguarda, continue seu trabalho, vou tomar algumas providencias para solucionar o problema e dentro de mais algum tempo, vou lhe contar uma história que poderá mudar sua conduta. Nada tema, vamos encontrar o caminho certo, sei que poderei contar com a sua boa vontade.
Dando um beijo na moça, Vindara entrou na caixa de transporte. A desconfiança no semblante de Morga estava refletida de maneira intensa. Ela olhou em volta deu um longo suspiro, já acreditava que induzira seu amante a fazer a maior loucura de todos os tempos, mas sabia que reclamar e lamentar, de nada adiantaria. Debruçou-se sobre o braço e chorou.

domingo, 15 de junho de 2008

Capítulo 25

Capitulo 25

Como nada acontecia depois de alguns segundos no elevador, os dois já acreditavam num fracasso. Como o elevador não se movia, a porta continuava aberta expondo desnecessariamente a presença deles. Fazendo um comentário sobre a situação quando interpretaram o andar, Lin Ping pediu casualmente o décimo andar, a porta fechou e em pouco mais de dez segundos já estavam no corredor forrado de vermelho com o tapete negro cobrindo o chão.
Eles não sabiam o que podiam encontrar pela frente e também qual caminho deveriam seguir, não havia sinal de outro elevador ou escada naquele corredor.
- O décimo primeiro andar, foi mal interpretado! – Repetiu Lin Ping com desanimo.
- A mensagem de Morga não foi uma coisa comum, tem de ser...
- Que cara é essa? – Indagou o professor desconfiado diante do sorriso malicioso do rapaz que havia silenciado repentinamente.
- Já sei...! – Ele exclamou dando um soco no ar. – Na hora do espirro, ela indicou o caminho, vamos ter de entrar na sala de doutora Vindara.
- Pura loucura, mas não tenho uma idéia melhor! - Disse Lin Ping dando de ombros. – Não gosto de improvisos.
Eles avançaram cautelosos, tremendo muito, Urando tocou no sensor de abertura e a porta abriu lentamente. O silêncio na sala da doutora era semelhante ao de um mausoléu num cemitério abandonado. Não havia nenhum sinal de porta na sala de entrada, mas devia ser no lado esquerdo, o rapaz estava revendo mentalmente a indicação feita pela namorada.
Cuidadosamente ele tateou a parede e sorriu chamando o professor. Mostrou que havia descoberto algo que jamais imaginara existir. Lin Ping logo entendeu, estava diante de uma parede virtual, quase tudo em volta era parte de uma imagem holográfica. Eles atravessaram a parede, se depararam com um outro corredor largo que terminava dez metros adiante numa porta metálica, devia ser um segundo elevador.
Durante alguns minutos tentaram encontrar uma maneira de abrir aquela porta, parecia que não havia nenhum botão de chamada ou tranca aparente. Muito observador Lin Ping viu no chão, próximo da porta, bem ao centro um local onde o tapete estava mais desgastado. Se abaixou para examinar, passou a mão algumas vezes e depois ficou novamente de pé. Sorrindo ele esfregou as mãos e pisou no local, a porta se abriu em duas bandas e surgiu um outro corredor.
Ouviram vozes se aproximando, não sabiam onde poderiam se ocultar e resolveram seguir em frente. Não haviam dado nem cinco passos quando três mulheres surgiram no caminho saindo da parede. Com muita agilidade, Lin Ping saltou sobre elas e com um golpe certeiro e inesperado na nunca derrubou a primeira as outras duas, começaram a lutar com o velho de maneira surpreendente, Urando ficou paralisado por alguns segundos, ao recuperar o fôlego partiu para a luta.
Quando finalmente derrubaram as outras duas, eles se entreolharam preocupados, mais do que nunca teriam pouco tempo para agir. O golpe as manteria desacordadas por poucos minutos e outras poderiam encontrá-las. Avançaram para o ponto onde viram as mulheres saindo e se depararam com uma sala larga onde havia um elevador muito grande de portas abertas.
- Décimo primeiro. – Disse Urando.
A porta se fechou e imediatamente abriu novamente. Nem parecia terem saído do lugar, mas estavam no décimo primeiro andar, era um corredor todo de vidro com uma passarela de aço que corria para os lados, em volta de um grande tubo feito de material estranho e luminoso. Por uma fração de segundo sentiram um solavanco no estomago como quem sobe ou cai repentinamente no ar. Uma porta lateral parecia ser a única passagem possível para o interior daquela armação desconhecida.
- Isso não é coisa desse mundo! – Exclamou Urando olhando em volta com ar assustado.
- Vamos entrar logo por essa porta! – Lin Ping puxou o rapaz.
A porta abriu automaticamente quando eles se aproximaram, parecia ser um terceiro elevador. Procuraram em vão por um tipo de comando mesmo não sabendo para onde iriam se o descobrissem. Já desanimados, sentaram no chão e ficaram em silêncio. Urando suspirou.
- Morga...!
A porta fechou e eles sentiram um deslocamento lateral muito sutil. A porta abriu, estavam diante de Morga sentada diante do painel de uma máquina estranha. Aquela caixa não era um elevador, entenderam logo que se tratava de um tipo de transportador diferente. A moça correu e se abraçou a Urando. Lin Ping se emocionou.

Capítulo 24

Capítulo 24

Finalmente o tempo de espera estava findo. Quando Urando saiu depois do almoço para o trabalho, sentia seu corpo pesado e sua cabeça doía. Por alguns minutos lhe ocorreu a idéia de propor adiarem aquela ação, mas sabia que de nada adiantaria temer os imprevistos deixando de fazer o que se tornava mais do que necessário, talvez nem valesse a pena, pois poderia ser tarde demais qualquer coisa que tentassem.
Também não deixava de se preocupar, o plano todo poderia falhar se seu dardo não funcionasse. Havia a possibilidade de não ser tão útil como imaginara. Sabia que essa sua invenção estava sem qualquer teste, mas agora não teria como voltar no tempo, o importante mesmo era tentar esquecer esse detalhe, mesmo que para isso estivesse colocando o velho professor em risco.
Pouco antes do horário combinado, Lin Ping estava no local da plataforma de embarque como haviam planejado. Ele sorria maliciosamente como quem sente que o momento certo para sua vingança estava inevitavelmente nas mãos dele. Não poderia deixar de entender de uma vez por todas o que realmente acontecera com Raina, talvez o plano todo fosse um fracasso, mas com toda certeza nunca mais ficaria se sentindo inútil e impotente.
Quando o horário do turno foi concluído, todos recolheram as ferramentas e seguiram para o canal de manutenção. Urando fez questão de ser o último a seguir na fila de volta para a estação. Suas pernas estavam tremendo e sua cabeça parecia que explodiria. Seus colegas subiram pela escada e desapareceram como sempre sem nem notarem a ausência do companheiro.
Pegou seu comunicador e fez a ligação para o velho professor que tentava se manter aparentemente calmo para não despertar suspeitas. O trem parou e muitas pessoas embarcaram e desembarcaram. Depois de dois minutos o trem partiu e de maneira muito ágil, Lin Ping pulou para os trilhos correndo na direção de Urando carregando as duas mochilas com os equipamentos necessários para aquela aventura.
Teriam de se afastar rapidamente, pois logo a turma do outro turno estaria chegando. Os dois se abraçaram e rapidamente retomaram o caminho na direção pretendida. Teriam de andar mais de duas horas, mas não sentiam nem seus pés tocarem no chão, corriam receosos de serem vistos. Passaram pela área automatizada ainda em ritmo acelerado e só respiraram descansados quando alcançaram a boca do túnel desativado.
- Trouxe óculos de visão noturna! – disse Lin Ping pegando no bolso os equipamentos.
- Será mais fácil já que não tem iluminação.
- Só me lembrei desse pequeno detalhe antes de sair. - Lin Ping ofegante puxou o rapaz pelo braço. – Vamos adiantar nossos passos.
Eles colocaram os óculos de visão noturna e começaram a seguir para o interior do túnel desativado. O cheiro de mofo e umidade fazia Urando espirrar o tempo inteiro. – Os olhares se mantinham atentos nos movimentos dos ratos que pareciam se assanhar com a presença de seres humanos naquele local abandonado já há muito. Urando ligou o LSO e esperou algum tempo até definir o sinal receptor, a luz começaria a piscar indicando que estariam abaixo do ponto onde Ping deixara o dardo.
Depois de uma caminhada de mais de meia hora, sabiam que deveriam ter atravessado a praça e o sinal ainda não era detectado. Urando se mostrou preocupado, algo estava errado e ele não sabia o que dizer.
- Já passamos pelo local onde deveríamos subir.
- Passamos por vinte e cinco respiradouros. – Disse Lin Ping.
- Não contei... mantive os olhos grudados no LSO. – Se justificou o rapaz. – Vamos retornar um pouco.
- O equipamento está mesmo ligado? – Indagou o professor com desconfiança.
- Quando ele liga, fica com o... – Urando deu um muxoxo. – Sou um idiota!
- O que aconteceu?
- Não desliguei o automático, ficou captando apenas sinais na memória. – Ele suspirou com desanimo. – Acho que agora vai funcionar.
- Não se mova. – disse Lin Ping nervoso. – Tem mais de uma centena de ratos enormes nos cercando.
Assustado, Urando pegou a pistola e ficou olhando em volta. Realmente os ratos se aproximavam lentamente, eram maiores do que aqueles que haviam atacado um de seus colegas. Sem perder muito tempo, Ping começou a atirar com precisão, os ratos eram bichos velozes e traiçoeiros, Urando também atirava para todos os lados. Durante um bom tempo, o túnel se iluminou com aqueles tiros, mas logo os dois respiraram profundamente aliviados, os ratos fugiam.
Ambos não se enganavam, sabiam que aquela trégua podia não durar muito, e com o caminho livre retomaram a busca do respiradouro. Dessa vez, a luz do LSO piscou, estavam captando os sinais de rádio emitidos pelo dardo. Havia uma escada velha e suja que se perdia num túnel apertado sempre para cima. Dessa vez o desespero de Urando se tornou maior, a sua fobia por lugares assim teria de ser vencida.
Depois de vestirem os coletes que haviam roubado no aeroporto, começaram a subir a escada sentindo os pés escorregarem o tempo inteiro nos degraus enferrujados. Assim que Urando alcançou a boca do pequeno túnel do respiradouro, sentiu seus braços fraquejarem e a saliva na sua boca amargar. Respirou profundamente, precisava vencer aquele medo que não sabia como enfrentar. Tentou mais uma vez prosseguir, seus pés estavam grudados no degrau da escada. Suas mãos suavam e seus olhos ardiam muito lhe causando uma vertigem.
Percebendo o pânico do rapaz, Lin Ping se aproximou, o segurou pela cintura quase no momento em que ele escorregou. Os dois ficaram algum tempo imóveis até que Urando recuperou novamente o equilíbrio da mente, sua cabeça fervia e uma dor aguda parecia lhe atravessar os ouvidos. O fracasso lhe envolvia com muita aderência, não seria possível continuar, seu corpo se negava entrar num túnel tão apertado.
- Você precisa seguir em frente! – Disse Lin Ping ofegante.
A imagem de Morga lhe veio repentinamente, ele suspirou olhando para o velho professor e sacudiu a cabeça mostrando que estava novamente dono de seus movimentos. Fechou os olhos e continuou galgando lentamente os degraus até que repentinamente sua cabeça bateu no teto. Abriu os olhos e viu diante de si uma placa amarela já enferrujada com os algarismos 180 em alto relevo.
- Chegamos! – Exclamou aliviado. – Agora só falta destravar essa porcaria.
- Vai conseguir! – disse Lin Ping logo abaixo dos pés do rapaz.
Com cuidado para não cair, Urando enfrentou o medo, suas mãos tremiam, as soltou da escada e recostou na parede. Começou a tatear a trava. Era muito antiga, com três pontos de contato. Precisava identificar os pólos para provocar um curto circuito, teria de acertar da primeira vez ou a trava ficaria danificada para sempre e jamais poderia ser aberta novamente.
Ao lembrar das conseqüências fatais de um erro, ele se encolheu e quase caiu da escada sobre Lin Ping. Não se recordava de ter fraquejado uma só vez na vida, respirou fundo e voltou a se controlar e voltou a tocar na tampa que parecia queimar suas mãos. Já sabia onde deveria conectar para provocar o curto circuito, mas ainda vacilava, era muito importante evitar um engano.
- Não podemos perder muito tempo. – Disse Lin Ping.
- Vai ser agora! – Exclamou o rapaz suspirando.
Sem pensar em mais nada, ele fez a ligação utilizando-se das facas magnéticas da própria tampa e ao escutar o barulho do engate de trava cedendo, sorriu aliviado. Sentia que seu coração palpitava de maneira incomum e seu corpo inteiro parecia encharcado de suor. O colete deveria resolver esse problema ou seria detectado imediatamente pelas câmaras de vigilância.
Abriu a tampa esperando que o corredor estivesse vazio, pulou para fora daquele buraco e ajudou o velho professor. Estavam diante do elevador, apertou o botão de chamada e em poucos segundos a porta se abriu, uma mulher muito bonita passou por eles sem suspeitar de nada, entraram e se entreolharam desconfiados, não havia indicador do andar desejado mesmo assim pediram o décimo primeiro andar. Estavam tendo sorte até aquele momento embora a jornada ainda estivesse só começando.

sábado, 14 de junho de 2008

Capítulo 23

Capítulo 23

Urando caiu na cama assim que entrou em casa, sentia o corpo todo dolorido e a cabeça fervendo. Entendera o motivo da preocupação do professor querer aqueles coletes. Mesmo sabendo que não enfrentaria um perigo muito grande, durante a ação no aeroporto percebeu que ficara muito excitado, realmente seu coração batia em ritmo acelerado e o suor lhe escorria pelo corpo em abundância.
Adormeceu sem nem perceber e só acordou quando o despertador lhe chamou para o trabalho. O tempo estava úmido e uma chuva fina caia como véu de noiva. sentiu preguiça, detestava o serviço já que continuava angustiado e tenso todas as vezes que entrava nos túneis. Depois de se espreguiçar demoradamente deu um pulo se pondo de pé e instintivamente olhou para a janela buscando a imagem de Morga.
Para sua surpresa, viu que havia uma outra mulher se movimentando com intimidade na casa de sua amada, estava completamente despida, preparando-se para se aplicar o mesmo remédio desconhecido. Esquecera completamente da sua suspeita ao ver as mulheres do Bar Lamento entrando no prédio, agora estava confirmado, Morga não voltaria.
Sentando-se na beira da cama, acariciou os coletes jogados no chão, deu um longo suspiro sentindo o corpo estremecer. Irritado diante do sentimento de impotência, trocou de roupa, comeu uma maçã e saiu para trabalhar. Não adiantava ficar lamentando para si mesmo a situação, estava na hora de começar a transformar suas preocupações em ações e libertar seu amigo e a namorada em poder das estranhas mulheres do Bar Lamento.
Ele não sabia o que o levava a ter tanta certeza que encontraria realmente Bernardo naquele lugar, mas sua intuição nunca falhava. Algo lhe dizia que ainda teria surpresas imensas pelo caminho e que não seria nada fácil o que Lin Ping e ele teriam para executar. Não devia se enganar, aquelas mulheres se mostravam mais perigosas do que aparentavam.
Enquanto trabalhava, Urando se perguntava o que realmente havia por trás da história contada pelo velho professor sobre a mãe de Jumi. Por outro lado, lhe veio a ideia preocupante de Morga ser parte de um esquema que não gostaria de descobrir e que talvez Bernardo estivesse de acordo com o que lhe acontecia naquele momento. Talvez não servisse de nada todo aquele trabalho para resgatá-los.
Ao voltar para casa, sentia-se abatido pelo desanimo. Tudo estava acontecendo de maneira muito rápida.0 Fazer uma avaliação ficava difícil já que sua emoção lhe acompanhava impedindo uma reflexão apurada e fria. Dando de ombros, se acomodou melhor na poltrona do trem, afinal em muito breve todas as suas indagações deveriam ser respondidas.
Chegando em casa, o rapaz tomou um banho, comeu alguma coisa e em seguida ligou para Lin Ping. Por algum motivo muito especial o professor lhe oferecia segurança. A presença dele o estimulava e proporcionava uma aflição menor, um conforto de espírito. Sentia-se protegido, com muita vontade de ser consolado e escutar palavras de cumplicidade e carinho. Só assim, se dava conta que sua vida inteira sempre estivera contida num imenso vazio de afeto. Ele nem conhecia o verdadeiro sentido dessa palavra.
Logo que o professor recebeu o chamado, foi para o apartamento de Urando. Os dois ficaram por muito tempo fazendo os ajustes nos coletes que eram perfeitos para a idéia que faziam das necessidades. Depois do trabalho concluído, saíram para jantar e no caminho elaboraram um plano mais adequado nos detalhes. Ping chegaria na Estação central no horário final do turno vespertino de Urando, ficaria aguardando seu comunicador tocar duas vezes em seguida pularia para os trilhos e correria até a valeta de manutenção.
Caberia a ele levar os coletes e todo o material necessário para penetrarem no túnel desativado e alcançarem o Bar Lamento pelo subsolo. Tudo teria de ser executado de maneira precisa e rápida sem despertar a atenção da segurança ferroviária. Como poderiam encontrar os ratos gigantes naqueles túneis, as pistolas magnéticas seriam fundamentais, mas Urando possuía apenas uma, o professor o acalmou dizendo que a sua velha arma de ondas eletromagnéticas do tempo de polícia ainda funcionava, bastaria carregar a bateria nas próximas vinte e quatro horas.
Nada mais poderia ser feito para melhorar aquele plano, teriam apenas de aguardar o momento certo e executá-lo da melhor forma possível. Ambos estavam ansiosos escondendo com dissimulações seus tremores de medo e indagações mais íntimas.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Capítulo 22

Capítulo 22

Urando trabalhou como se estivesse na beira de um precipício escorregadio. Pouco depois de concluir o turno, o seu aparelho comunicador vibrou, era Lin Ping novamente pedindo que ele fosse até o restaurante próximo da estação. Quando encontrou o velho estava ansioso, mas foi contido pelo convite para o almoço, de certa maneira, o professor estava resolvendo o problema que teria com o seu saldo bancário estourado.
Depois de comer, saíram passeando, Ping gostava de conversar, mas naquele momento parecia se dirigir para um lugar específico. Ao chegarem na praça Mundial, ficaram diante de um prédio robusto e antigo onde funcionava o Departamento Técnico da Polícia. Depois de olhar em volta e suspirar algumas vezes o professor olhou para o rapaz com ar sonhador.
- Trabalhei aí, por mais de vinte anos. – Ele deu de ombros. – Isso não importa, hoje não conheço mais ninguém.
- O que vamos fazer?
- Jumi me recomendou procurar Jonas, um amigo dela que trabalha no Laboratório Eletrônico. – Esse homem poderá nos fornecer sugestões sobre como burlar o sistema de segurança do Bar Lamento.
- Tem hora, que acho tudo muito fácil no que se refere ao Bar Lamento. Urando viu a expressão de descrença do professor e tentou explicar. - Nós é que complicamos as coisas. Aparece uma dificuldade e logo em seguida... deixe porá lá, deve ser loucura ou estamos sendo conduzidos ao centro de uma conspiração.
Segurando o braço do rapaz, Lin Ping deu um muxoxo e entrou no prédio. Sem perder tempo se dirigiu ao balcão de informações onde uma moça muito negra e de sorriso enorme o atendeu. Pediu para falar com Jonas Demoto e prontamente a atendente buscou no computador o terminal do Laboratório verificando se o policial estava de serviço. Depois de confirmar, solicitou a identificação de Lin Ping e passou no leitor ótico.
- Não é possível! – Ela exclamou maravilhada. – Não acredito que estou diante de uma lenda viva, o famoso Inspetor Lin Ping.
- Não sabia disso! – sorriu o professor constrangido.
- Por favor, pode seguir diretamente ao oitavo andar, sala 851. – A atendente entregou um cartão de visitante a cada um.
Puxando Urando ainda pelo braço, Lin Ping agradeceu e seguiu em frente, mas logo começou a ficar nervoso ao ver que muitas pessoas o saudavam respeitosamente como nos velhos tempos. Ele acreditava que passaria despercebido, mas a fama do detetive brilhante, ainda era muito real no Departamento Técnico. No oitavo andar, encontrou com um homem pouco mais moço que lhe fez uma reverência afetada.
- Lembra de mim? – O homem indagou. – Sou Irlan, fui seu auxiliar no caso das Igrejas Revolucionárias.
- Lembro muito bem, sua colaboração foi imensa. – Ping apertou a mão de Irlan.
- Com tudo que aprendi ao seu lado, agora sou o chefe do setor Explosivo! – Irlan respirou profundamente se despedindo. – Precisando de mim, saberá onde me achar.
Sem perder mais tempo, novamente o velho segurou o braço de Urando que olhava tudo em volta com desconfiança e o arrastou pelo corredor. Enquanto caminhavam, explicou que o chamado setor explosivo era o que desarmava bombas, coisa freqüente em grandes cidades. Ao chegarem diante da sala 851, encontraram um homem de pouco mais de trinta anos completamente calvo e barba crescida bem aparada, os aguardava.
- Meu nome é Jonas, em que posso ajudar?
- Vamos conversar na saleta? – Indagou Ping mostrando com a mão uma pequena sala com um grande sofá e duas poltronas.
Para Urando a recepção ao seu professor não poderia ser melhor, até Jonas que parecia ser um homem frio e reservado, olhava para Lin Ping com admiração enquanto escutava a solicitação para verificar os tipos de câmeras de segurança no arquivo geral da polícia. Rapidamente ele já havia entendido tudo e convidou seus visitantes para entrarem no laboratório e os conduziu até um aquário de vidro espelhado, onde havia uma dezena de terminais de computadores interligados ao sistema geral.
- Se o equipamento foi fabricado nesse mundo, vamos encontrá-lo. – Ele disse acessando uma página do programa. – Puxem cadeiras pra perto, vão ter de identificar o equipamento e podemos ficar aqui mais de uma hora.
Sem qualquer objeção, Urando pegou uma cadeira e colocou para Ping em seguida puxou uma outra para si mesmo. Em poucos minutos começaram a surgir páginas com fotos das câmeras, que Jonas excluía da relação a cada negativa do rapaz e do velho. Depois de mais de cinqüenta minutos de pesquisas, já haviam consultado todos os modelos fabricados e não encontraram nada.
- Descrevam essa câmera. – Pediu Jonas.
- Acho que Urando pode descrever com mais detalhes! – Disse Lin Ping sorrindo.
O rapaz fez uma descrição minuciosa, do formato e da maneira como ela girava e os locais onde estavam localizadas. Jonas escutava olhando para o vazio enquanto coçava a barriga e só quando a explanação foi concluída, ele maneou a cabeça de deu um muxoxo.
- Já vi uma assim, se não me engano no Bar Lamento. – ele olhou em volta. – Esse tipo de equipamento, ao que me parece foi projetado com exclusividade não possuímos qualquer registro oficial.
- Estamos perdidos! – Exclamou Urando com desanimo.
- Sou capaz de apostar que funciona pela sensibilidade automática. – disse Jonas pensativo.
- O que isso quer dizer? – Indagou Ping.
- Tenho quase certeza que ela registra a presença das pessoas por meio de sensores de calor e em seguida faz a seleção pelo batimento cardíaco acelerado pela adrenalina. – Jonas começou a demonstrar satisfação em expor suas teorias. – Ela tem o formato de um olho, o que indica sensibilidade ao calor, a pequena antena em forma de pirâmide no alto não deixa dúvidas, é o sensor de batimentos cardíacos. Modelo impressionante ainda sem uma fabricação conhecida.
- Faz sentido! – Disse Ping coçando o queixo. – Muito obrigado Jonas, ficamos lhe devendo essa.
- Foi com prazer que atendi uma solicitação do grande Lin Ping. – ele levantou-se fazendo uma reverência.
- Onde fica a sala de Irlan Kosta? – indagou Ping.
- No fim do corredor. – Disse Jonas sem pestanejar.
No corredor, Urando tentou saber o que o professor pretendia, mas ele não lhe respondeu, apenas pedia para esperar. Quando Irlan recebeu Lin Ping em seu gabinete, parecia exultante com a visita. Os dois conversaram alguns minutos sobre o trabalho Esquadrão de Bombas e quando Ping disse que precisava de dois coletes térmicos de desarme a expressão de Irlan mudou repentinamente. O sorriso desapareceu deixando apenas uma máscara de incredulidade.
- Não posso fazer isso! – Disse nervoso. – você sabe que não posso...
- Então me diga como eu posso roubá-los! – Lin Ping deu de ombros.
- O que pretende com eles?
- Estou fazendo uma investigação para oferecer um novo projeto e preciso deles para comparar com o que tenho e descobri falhas. – Mentiu o professor de maneira calma.
- Sei que está me escondendo algo, mas nossa amizade me faz esquecer muita coisa. Oficialmente não tenho como lhe oferecer uma ajuda imediata, mas sei de uma maneira que não vai me comprometer. – Irlan deu um sorriso malicioso. – No aeroporto, existem cinco conjuntos de reserva que quase nunca são utilizados, ficam guardados no setor automatizado de carga pesada. – ele coçou a cabeça. – Difícil será penetrar na segurança deles sem uma autorização, se me der uma semana garanto que arrumo tudo.
- Agradeço sua colaboração mais uma vez, não precisarei da autorização, resolvo por minha conta. Você não disse nada, saberei guardar sigilo. – Disse Lin Ping estendo a mão para Irlan.
A cabeça de Urando estava pronta para explodir, repleta de interrogações absurdas. Quando saíram do prédio da Polícia Técnica, resolveu que não andaria um só centímetro sem saber o que o velho professor planejava. Estava se sentindo pisando descalço sobre um braseiro e não conseguia acompanhar o raciocínio.
- Pra que servem esses coletes?
- Vou explicar! – Ping olhou em volta. – Quando um perito vai desarmar uma bomba, fica nervoso, a adrenalina faz com que sua temperatura externa reflita sua descompensação orgânica. Alguns detonadores são preparados para perceber a curta distância qualquer mudança de temperatura brusca e sensíveis ao batimento cardíaco, as pulsações são fatais se ao serem tocados o manipulados não estiverem dentro de um certo limite. Para isso, o colete é fundamental, equilibra de maneira artificial a temperatura do corpo e mantém abafada a pulsação.
- Entendi...! – O rapaz deu um muxoxo. – Vamos enganar a vigilância.
- Tudo se tornou simples, vamos ter de agir por nossa conta, toda a colaboração disponível já nos foi dada. – Ping respirou profundamente. – Ainda é capaz de interferir em programas bloqueados?
- Não gosto de fazer isso, podemos ser presos! – Disse o rapaz assustado. – Aonde acharemos um terminal?
- No aeroporto, vamos entrar numa máquina de conversa a distância, alugamos por uma hora e você faz o serviço.
- Vamos forjar nossa autorização?
- Entendeu tudo! – Lin Ping pousou a mão no ombro do rapaz. - O equipamento nos dará pouco mais de quarenta minutos, você terá de ser rápido e dispor do tempo de aluguel do terminal o mínimo possível, precisaremos dele conectado. Pela minha experiência, o setor automatizado entra na checagem de liberações depois de vários procedimentos, quando ele concluir que tudo é um embuste, já teremos feito o serviço.
- Como sabe dessas coisas?
- Investiguei uma quadrilha de contrabandistas, era assim que eles entravam no setor de carga, o meu auxiliar na época foi Irlan. – O velho sorriu. – Vamos nos apressar, o tempo perdido pode ser muito valioso.
- Não alteraram o sistema depois de tanto tempo? – Indagou Urando seguindo o professor.
- Eles mudaram apenas o código de acesso, seria muito caro investir numa sofisticação do sistema de segurança, não valia a pena embora eu tenha recomendado e para nossa sorte, desprezaram a sugestão. – Lin Ping olhou para o céu. – Acho que vai chover novamente.
Eles pegaram o trem e foram diretamente ao aeroporto. Como Lin Ping previra, executaram a operação de maneira segura e rápida, a facilidade com que Urando manipulava os programas no computador estava sendo uma arma poderosa para o sucesso. O velho professor sabia exatamente onde encontrar os coletes e pouco antes da meia noite já estava retornando para casa.
Por causa do avançado da hora, resolveram deixar para estudar os coletes e adequar as suas funções orgânicas pessoais para o dia seguinte quando Urando concluísse seu turno de trabalho. Eles se despediram na porta do prédio de Lin Ping que recomendou que o rapaz não tentasse alterar nada nos coletes sem lhe consultar.
- Vamos entrar no Bar Lamento quando você trocar de turno. – disse Lin Ping com ar pensativo.
- Estou muito ansioso!
- Ótimo...! Urando... vamos invadir... nossa ação, será no primeiro dia do seu turno vespertino, executaremos a manobra de invasão. – Repetiu o professor também excitado.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Capítulo 21

Capítulo 21

Depois de uma noite péssima, ainda muito cedo, Urando foi acordado com seu aparelho transmissor vibrando no bolso. Seu corpo estava moído, dormira vestido atravessado na cama. Tentou mover o braço sem resultado, estava completamente adormecido, com esforço pegou o aparelho e atendeu, era Lin Ping.
- Algum problema? – Indagou o velho professor.
- Estava com o braço dormente, sem movimento, dormi com a cabeça sobre ele.
- Antes de sair para trabalhar, passe aqui na casa de Jumi.
- Vou tomar um banho e trocar de roupa.
- Estou preparando um suco, divido com você enquanto conversamos.
Dando um pulo da cama, rapidamente Urando foi se preparar e em poucos minutos estava pronto. Saiu de casa bem na hora que começava a chover. Ao chegar na portaria do prédio, observou um veículo branco estacionar e quatro mulheres saltaram olhando em volta, em seguida entraram no prédio de Jumi e Morga.
Precavido ele esperou alguns minutos antes de também entrar no prédio, não pretendia ser visto pelas mulheres que aparentavam ser do Bar Lamento. Ao chegar à frente do elevador, viu que ele estava parado no andar onde Morga morava. Sentiu um tremor no corpo, tudo em volta parecia atrelado ao que estava vivendo naquele instante, um nó que se apertava cada minuto na desconfiança. Começava a ter certeza do perigo a sua volta como se estivesse preso numa bolha sufocante. As soluções se encontravam em encruzilhadas, as idéias passavam justas num gargalo de garrafa imaginaria.
Quando entrou no apartamento de Jumi, pegou o copo de suco que Lin Ping lhe ofereceu. Pela janela viu que a chuva estava ficando mais forte. Depois de beber o suco e comer um pedaço de bolo, olhou para o professor aguardando o que ele teria para contar.
- Sei que tem pouco tempo, vou ser bastante objetivo, apenas me ouça. – Lin Ping pegou o copo vazio na mão do rapaz. – Minha visita ao Bar Lamento me deixou mais preocupado do que já estava. Eles possuem um sistema sofisticado de vigilância.
- Sei disso, o importante é se conseguiu deixar o dardo onde eu pedi...
- Tenha calma! – Lin Ping sorriu. – Não sabe obedecer a ordem do chefe? – O velho fez uma pausa e continuou. - Tudo foi feito, no entanto, precisamos saber como vamos passar pela vigilância. Nunca havia visto aparelhos daquele tipo, são modernos e não se parecem com aqueles que já enfrentei em missões de investigação no meu tempo.
- Existe algum meio de suprimir essa vigilância?
- Talvez...! – Lin Ping maneou a cabeça e deu de ombros. – Sem conhecer o equipamento, não poderemos determinar o processo de camuflagem para passar por eles.
- Se houvesse uma maneira de entrar no programa de segurança, eu poderia analisar...
- O sistema do Bar Lamento é fechado. – Lin Ping coçou a cabeça. - Nessa altura, acredito que aquelas câmeras não sejam nem cadastradas no sistema da polícia.
- Se soubéssemos como elas detectam a direção da imagem, poderíamos burlar...
- Isso mesmo! – Lin Ping pegou o seu comunicador e ligou para a filha. – Jumi deve estar no meio de algum treinamento, o aparelho está desligado!
- Ligue na hora do almoço! – Urando suspirou. – Vou ter de sair para trabalhar, nos encontramos mais tarde.
- Vou ficar aqui tentando refletir melhor sobre tudo isso. – Ping abriu a porta. – Venha direto pra cá.
- Ia esquecendo... - Urando se voltou. – Acho que tem gente do Bar Lamento na casa de Morga.
- Vou verificar!
Quando Urando saiu do prédio, a chuva estava fina, ele se apressou para chegar na estação de trem, precisava não chegar atrasado. Mentalmente continuava revendo os detalhes de vigilância do bar Lamento. O objetivo era resgatar Morga e tentar encontrar Bernardo.
Olhando a chuva pela janela, Lin Ping também continuava grudado na situação. Precisava ter muita cautela para não se deixar levar pela imprudência juvenil de Urando. Toda a sua experiência lhe alertava para algo que não compreendia, estava se envolvendo num assunto que acreditava sepultado.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Capítulo 20

Capítulo 20

Por diversas vezes enquanto trabalhava, Urando pensou em ligar para Lin Ping e desmarcar o encontro, mas não conseguia, precisava realmente de ajuda e nem sabia por onde começar a desfazer o nó que apertava sua garganta. Ao terminar o turno foi se encontrar com o velho professor, e quando o viu na porta do box de leitura da estação parou para respirar profundamente e continuou caminhando em passos mais rápidos.
Os dois foram almoçar num restaurante perto do Bar Lamento da praça Central. O silencio era instransponível. O velho parecia ter ficado com a língua grudada nos dentes e o rapaz não conseguia falar de seus medos. Depois que comeram, ficaram por algum tempo andando pelas ruas próximas e finalmente Lin Ping estalou os dedos e disse que deviam conversar no apartamento de Urando.
Quando entraram no apartamento de Urando, Lin Ping olhou em volta e sentou na beira da cama. Permaneceu olhando pela janela com ar pensativo por um bom tempo em seguida pediu para o rapaz lhe mostrar a mensagem gravada da última conversa com Morga. Ele escutou com atenção mais de duas vezes em seguida estalou os dedos.
- Já sei o que vamos fazer! – Ele levantou e foi até a janela. – Antes, preciso que me escute.
- Está certo!
- O medo não pode me impedir de lhe ajudar. – O velho suspirou. – Vou lhe contar coisas que não gosto de lembrar, mas você precisa saber onde se meteu.
- Quero salvar Morga!
- Não acredito que ela esteja em perigo, mas o amor de vocês pode causar muitos problemas. – Ele voltou a sentar na beira da cama. – Eu sei o que estou falando, meu romance com Raina foi tumultuado e misterioso. Como lhe havia dito, ela trabalhava no Bar Lamento na recepção, nos encontramos algumas vezes por mero acaso, depois eu comecei a forçar os encontros. Ela era esquiva, mas começou a se encantar comigo. Morava num dos alojamentos do Bar Lamento, e por isso as dificuldades para encontrá-la eram imensas. Um dia ela se mudou para um prédio grande que ficava na rua Kamoso, num bairro próximo ao centro. Ela me passou o endereço de maneira dissimulada e naquela mesma noite fui visitá-la. Nosso problema estava começando nesse momento de maneira...
O comunicador de Urando vibrou em seu bolso interrompendo o velho professor. Urando o pegou com ar contrariado, ao ver que a chamada era de Jumi, mostrou para o velho professor que o mandou atender. A conversa foi rápida, a moça disse que recebera do laboratório a análise feita com a embalagem vazia que recebera de Urando. Os resultados eram surpreendentes, o material era desconhecido e os resíduos da droga indicavam apenas a presença de Intina, uma substancia para controle cardiovascular ainda em experimentação.
O velho professor coçava o queixo escutando as informações da filha. Quando o rapaz desligou o aparelho, observou que ele estava com o olhar distante, os lábios tremiam e lágrimas brotavam de seus olhos. Ficaram em silêncio por algum tempo até que Lin Ping deu um soco no joelho e suspirou.
- Vou terminar de lhe contar tudo! – Ele enxugou as lágrimas com as mãos. – Sinto que o seu sofrimento me obriga a passar por cima de uma dor antiga. Mais do que nunca, eu sei que não tenho como manter esse segredo. – A sua voz estava rouca. Tossiu duas vezes e continuou. – Por dois anos, eu e Raina enfrentamos tudo, vivíamos como foragidos da lei já que ela entrava em pânico toda vez que me lembrava que possuía um contrato de trabalho que a impedia de ter filhos, poderia ser processada e terminar seus dias na cadeia, no entanto, o amor crescia a cada minuto, sem controle. Nos primeiros meses de nosso relacionamento, lembro de ter visto que se aplicava um remédio desconhecido, tentei descobrir se era algo perigoso, mas ela me afirmou se tragar de medicação para o controle da pressão cardíaca. Quando ficou grávida, eu comemorava e Raina apenas se lamentava e mostrou sua preocupação, teria de fugir do Bar Lamento e ficaria sem remédio, mas me garantia que poderia sobreviver. Nesse momento resolveu me contar o verdadeiro drama que estava lhe amedrontando.
O velho começou a chorar novamente, suas mãos tremiam mostrando que as lembranças ainda o assustavam muito. Urando correu para pegar um copo com água. Na volta já o encontrou mais calmo e finalmente Lin Ping voltou a sua narrativa.
- A historia que ouvi de seus lábios era impossível de ser levada a serio. Parecia um conto de ficção científica. No entanto, eu não possuía um motivo para desacreditar. Ela me falava com muita sinceridade olhando fundo dentro dos meus olhos.
- Está sentindo-se melhor? – Indagou Urando vendo que o velho gaguejava.
- Isso não é hora para esse tipo de pergunta. – Ping deu um soco de leve na face do rapaz. – Tentei lhe tranqüilizar, mas sou mesmo um idiota e não sei nada. Embora tenha lhe dito o contrario, o meu medo é que nessa hora Morga esteja em perigo, eu mesmo nem sei o que aconteceu com Raina. O que me fez cometer a loucura de me prontificar em auxiliar você nessa história, é o fato de que tem problemas semelhantes ao que já vivi.
- Qual foi essa história que sua mulher lhe contou? – Urando também estava nervoso e sua voz quase nem sai da garganta.
- Ela disse que havia por trás do Bar Lamento uma grande organização poderosa e rica que funcionava de maneira sistemática desde o fim do século dezoito. Ainda me lembro da sua expressão de medo ao mencionar alguns fatos. Uma dessas coisas me deixou perplexo, parece até que ainda escuto sua voz ao dizer gaguejando “já conseguiram até manipular os governos”, eu não teria como denunciar tudo isso. – Depois de um longo suspiro ele olhou pela janela e continuou. – Me pedindo que confiasse, ela se fechou numa concha tentando me proteger, não queria que eu soubesse mais do que poderia, assim, acreditava que minha segurança seria preservada. Até mesmo eu encontrava dificuldade em acreditar no que ouvia, como seria possível ajudar?
As palavras finais do velho professor foram pronunciadas lentamente como quem mede cada sílaba. Urando sabia que ele desconfiava de coisas que não ousaria dividir por temer ser interpretado de maneira equivocada ou atiçar a fogueira de desespero que fatalmente queimaria a alma.
- Como foi possível um policial se acomodar a esses fatos? – Indagou o rapaz com malicia.
- Fui contido pelo amor. Ela ficava desesperada quando eu demorava, não queria que eu me metesse num problema dela e correr riscos desnecessários, fiz uma promessa de manter minha curiosidade trancada na escuridão. Antes mesmo de Jumi nascer, pensei em romper minha promessa e fazer investigações, mas Raina me convenceu mais uma vez de que o risco maior seria dela já que vivíamos escondidos. Me submeti, amava demasiadamente aquela mulher. Ela achava que devíamos esperar o parto. No entanto, a história nem sempre corre no ritmo que desejamos. Na hora do parto, Raina passou muito mal estava sem tomar o seu remédio já há mais de um ano, ficou internada no hospital por alguns dias. Levei minha filha para casa e tive de cuidar dela sozinho. Quando voltei para visitar Raina e talvez levá-la para casa, fui surpreendido com a notícia de que já havia recebido alta e saíra com duas mulheres que legalmente poderiam removê-la.
- Foi apanhada! – Exclamou Urando.
- Isso mesmo! – Lin Ping deu um soco no ar. – Fui até o Bar Lamento, uma senhora muito bonita e simpática me recebeu numa sala decorada com peças do século dezoito. Disse sem mais delongas, que Raina havia retornado para casa já que precisava muito da medicação para sobreviver, assim, eu não era bem vindo naquele momento. Eu sabia que não adiantava persistir, devia cuidar de minha filha e pensar na segurança da mulher que amava, não queria vê-la morta por falta de medicação.
- Faz sentido! – Disse Urando tentando sorrir para o amigo.
- Mostraram-me uma gravação onde a própria Raina de maneira calma e serena, implorava que cuidasse de Jumi. Ela parecia me alertar de coisas que nunca poderei ter certeza. Frisou com muito cuidado, mais de uma vez, que eu não me preocupasse com ela, estava sendo bem cuidada e não poderia sobreviver por muito tempo nesse mundo e só me restaria tentar encontrar um meio para sofrer menos na resignação. Ela sabia que apenas podia me oferecer as belas lembranças de um grande romance e uma filha. Suas palavras pareciam sinceras e sem afetação característica de quem está sendo pressionado. Em sua conclusão, agradecia pelo meu amor, se despedindo como quem parte sem retorno. Abaixei minha cabeça me sentindo vencido, não colocaria a vida de Raina em risco, não sabia do que aquelas mulheres seriam capazes já que possuíam influência até no governo. Essa é toda a história.
- A doutora Vindara é a grande líder no Bar Lamento. – Urando pegou novamente o seu comunicador ficou observando os detalhes da última comunicação de Morga. – Vou até ela...
- Não seja infantil, não repita o meu erro que um dia fez com que minha amada nunca mais fosse vista novamente. – Lin Ping colocou a mão no ombro do rapaz. - Precisamos ter cuidado e agir com profissionalismo investigativo. Vamos rever mais uma vez a mensagem.
Eles escutaram com atenção as palavras de Morga e as migalhas das imagens a sua volta, ficaram certos de que estava falando da sala de Vindara, a decoração vista na hora do espirro não permitia dúvidas. Urando não lembrava de nada referente ao décimo primeiro dia junto de Morga, o que levou Lin Ping a deduzir se tratar do andar onde ela estaria no prédio do Bar Lamento.
- Ela fala em galgar andares... Muito esperta essa sua namorada! – Disse o velho professor com ar pensativo.
- Mas no elevador do prédio só tem dez andares! – Disse o rapaz coçando a cabeça nervosamente.
- Talvez ela tenha se enganado, mas o prédio parece maior. – Ponderou o professor.
- Quando olho pra ele, tenho a impressão de que tem o dobro.
- Andares secretos! – Ping deu um muxoxo. – Deve ter muito segredo nisso tudo.
- Como faremos para entrar?
- Primeiro preciso dar uma olhada no bar. – O professor socou a própria mão. - Conhecer o campo de batalha, planejar os detalhes.
- Vou com você! – Urando se agitou.
- Nada disso! – Lin Ping fez sinal para o rapaz se acalmar. - Não queremos chamar a atenção para a nossa investigação nessa altura da situação. Posso ir sem receio, estou fora da lista de suspeitos deles.
- Tenho uma idéia! – Exclamou o rapaz estalando os dedos e correndo até sua sacola aonde pegou um dardo. – Ele tem um dispositivo emissor de ondas de rádio, posso achar o sinal com o LSO, jogue no teto sobre a tampa de metal perto do elevador... – ele olhou para Lin Ping que parecia não entender. – Vou desenhar o mapa.
- Pra que serve? – Indagou o professor com desconfiança.
- Marcará a saída exata do duto de ventilação de um antigo túnel desativado da ferrovia, eu poderei entrar se for necessário, sairei bem perto do elevador.
- Agora estou entendo...! Me dê essas coisas. – Lin Ping pegou o mapa e o dardo saindo apressado.
Naquela noite, o coração de Urando saltava descompassado no seu peito, não lhe cabia fazer outra coisa senão ficar tentando encontrar um plano para salvar sua namorada e tentar desvendar o mistério do desaparecimento do seu amigo. Aguardou com muita ansiedade a volta do velho professor, mas sabia que só agiriam depois de pensar em todos os detalhes.

Capítulo 19

Capítulo 19

Jumi estava andando apressado por um corredor de um prédio moderno em forma circular com janelas panorâmicas quando o seu comunicador tocou. Sem pressa o retirou da cintura e atendeu mostrando preocupação no semblante. Recostou-se numa das janelas e ficou escutando em silencio olhando a cidade a sua volta. Parecia uma estatua, não movia qualquer músculo além dos olhos.
Finalmente parecia ganhar vida novamente, maneou a cabeça lentamente e resmungou uma confirmação continuando a escutar o que lhe diziam no outro lado da ligação. As pessoas passavam por ela de maneira apressada e uma moça tocou seu ombro e falou seguindo seu caminho.
- Não demore, vamos recomeçar em dez minutos!
- Estou terminado! – Disse Jumi ansiosa para se livrar da colega.
Ela realmente estava tensa e concluiu a conversa dizendo a quem estava no aparelho - “Tentarei ser discreta, acho que pode ser dessa forma”. Fez uma pausa e finalizou afirmando que ligaria assim que fosse possível, -“Esse é um momento inadequado”.
Recolocando o aparelho na cintura, suspirou profundamente e entrou numa das salas. Sabia que precisa fazer tudo da maneira certa, caso contrário estragaria todos os planos de sua vida. Olhou em volta observando a sala cheia de pessoas nervosas e sorriu para si mesma, eles nunca poderiam imaginar com quem estavam se metendo. Sentou-se sem pressa, ela precisava esquecer aquele assunto por algumas horas, teria de se concentrar na prova que faria dentro de alguns segundos.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Capítulo 18

Capítulo 18

Morga atravessou a praça central olhando para o Bar Lamento com nítida preocupação. Sabia que as duas mulheres que a seguiram pela manhã eram agentes da segurança, algo devia ter escapado ao seu controle quando fez a transferência de dados. Não adiantava retardar os passos, teria de enfrentar logo qualquer situação que estivesse sendo armada.
A porta de serviço era na lateral do prédio e logo que Morga se aproximou viu as duas mulheres da segurança que vinham ao seu encontro. Em silencio e sem qualquer expressão na face, apenas indicaram que Morga deveria seguir em frente. Elas a encaminharam ao nono andar, doutora Vindara estava aguardando.
Para Morga, aquela seria sua caminhada para um rompimento com tudo que aprendera a amar, sabia que o seu romance com Urando não seria permitido. Vivera nos últimos tempos de maneira escorregadia, sempre ocultando de ambos os lados, coisas que acreditava contrariar a ordem natural, mas não estava arrependida.
De cabeça erguida, ela entrou no elevador panorâmico e ficou vendo a imagem da cidade rapidamente diminuindo como num pesadelo. Talvez fosse a recordação que levaria consigo para uma nova realidade que já não poderia lhe fazer feliz. Ao sair para o corredor forrado de tapete negro e paredes vermelhas, espirrou, de alguma forma, o ambiente lhe causava a sensação de que o ar havia sumido.
Uma das moça abriu a porta do gabinete de Vindara indicando com a mão que Morga entrasse, virou-se voltando para o elevador. Morga estava assustada, olhou em volta aquela decoração do século dezoito, não conseguia entender o motivo daquele tipo de coisas espalhadas, eram bonitas, mas pouco praticas diante do cuidado com a manutenção.
Vindara recebeu Morga de braços abertos para um abraço afetuoso, em seguida fez uma expressão preocupada e mandou a mocinha sentar. Por alguns segundos ela caminhou em silêncio de um lado para o outro com ar pensativo, em seguida, sentou-se junto de Morga e lhe segurou as mãos tentando sorrir.
- Queridinha...! Você colocou em risco um trabalho de séculos!
- Não fiz nada de errado, apenas tentei diminuir a dor do coração de uma pessoa amada que sofria com a falta do amigo! – Ela disse encarando Vindara.
- Ele apenas sabe que o amigo recebeu um premio, mas a coisa poderia ser pior, felizmente, continuamos monitorando todos os terminais. Agora vamos ter de ganhar tempo para desfazer esse problema. – Vindara olhou em volta e levantou sem pressa. – Pela manhã, você vai voltar aqui, por enquanto não faça nada, vá para a sua sala de repouso e não seja imprudente, vou pensar numa solução confiável.
Beijando o rosto da moça, Vindara sorriu e a levou pela mão até a porta relembrando que a esperaria de volta naquele gabinete no horário em que ela terminaria o serviço e voltaria para casa. Durante toda a noite, Morga ficou impaciente e nervosa, não conseguia se concentrar no trabalho de ajustes de programas, seu pensamento não se desviava de Urando, ele se tornara a pessoa mais importante da sua vida e não entendia a razão real que a impedia de ficar ao seu lado.
Pela manhã, voltou ao gabinete de Vindara, dessa vez estava só, sentindo-se perdida num labirinto de dúvidas. Não havia medo, enfrentaria qualquer situação para evitar prejuízo emocional ao seu amado. Dessa vez, Vindara a recebeu sentada na sua poltrona antiga forrada de veludo vermelho, com um gesto frio mandou que sentasse.
- Você vai fazer uma ligação para o rapaz, vai dizer que foi promovida e não pode perder a oportunidade, seja sincera. – Vindara suspirou. – Não tente se mostrar nervosa ou triste, dê o romance por terminado.
Sem qualquer resistência, Morga pegou o seu Comunicador e ligou para Urando. Ela sabia que naquela hora o rapaz estaria se arrumando para iniciar mais um turno de trabalho. Ao ver o rosto do rapaz na tela do seu aparelho, sorriu e respirou profundamente.
- Bom dia, dorminhoco! – ela falou rapidamente, não queria permitir que ele falasse algo que a comprometesse mais ainda. – Fique em silêncio e ouça com atenção.
- Está certo! – Ele concordou.
- Estou sendo promovida, vou galgar novos andares profissionais e para isso terei de partir para um outro lugar, não vejo como manter nossa relação.
- Não estou entendo a...
- Não se trata de entender. – Ela interrompeu. – Como lhe havia dito no décimo primeiro dia de nossa aventura, eu não seria uma mulher para ficar ao seu lado por muito tempo. Esqueça de mim! – Ela espirrou e o aparelho tremeu em suas mãos. – Lembre-se do que conversamos no décimo primeiro dia, eu preciso desligar, esqueça de mim.
Urando ficou alguns segundo imóvel com o aparelho nas mãos. Ele havia visto de maneira rápida quando Morga espirrou a imagem de algumas peças de decoração do século dezoito que encontrara na sala de Vindara. Aquela imagem estava confusa, precisava de ajuda e não podia perder tempo. Imediatamente ligou para Jumi e lhe contou o que ocorrera.
- Parece que estão afastando a moça de você! – Disse Jumi preocupada. – Não sei como lhe ajudar, mas acho que devia procurar papai. Vou ficar atenta, no momento estou sem condições de sair daqui, qualquer coisa me ligue sempre no início da tarde, estarei mais disponível. Sabe o numero do aparelho dele?
- Sei...- Urando choramingou. – Vou tentar!
O rapaz sabia que a sua amiga não poderia largar seus afazeres e correr para tentar ajudar, no entanto não havia pensado em buscar auxilio de Lin Ping, ele se esquivara quando começaram a conversar sobre o assunto do Bar Lamento. Depois de refletir um pouco, entrou em contato com o velho professor, contou a historia toda notando as feições dele se contorcerem numa agonia que não entendia.
- Estarei ai depois do meio dia e lhe encontro na estação Central, no box de leitura. – Disse Lin Ping desligando.
Urando consultou o relógio, estava ficando tarde e precisava se apressar para chegar ao trabalho. Seu coração estava descompassado, saiu para a rua buscando o ar que lhe parecia insuficiente dentro de casa. Algo errado estava acontecendo, ele sentia-se culpado por ter envolvido Morga naquela historia e agora continuava envolvendo outras pessoas sem conhecer os riscos.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Capítulo 17

Capítulo 17

Para Urando, aguardar a hora que encontraria Morga se tornara uma carga difícil de suportar sobre os ombros. Trabalhando com total desinteresse, só voltou as e animar quando chegou ao fim do turno. Pouco antes de entrar na estação de trem, seu comunicador vibrou no bolso. Nervoso, pegou o aparelho com as mãos tremulas e lembrou que era a primeira chamada que recebia na vida, justamente de Morga. Ela foi rápida, disse que o aguardava no box de leitura da estação.
Na verdade, era uma surpresa para ele, sabia que Morga quase nunca andava pela cidade, se animou, a notícia devia ser boa ou ela teria esperado por ele em sua casa. Ao passar pelo salão principal da estação viu que duas mulheres o seguiam com os olhos, Assim que as encarou, elas desviaram a atenção para um outro lado fingindo conversarem entre si. Talvez estivessem apenas achando engraçado notarem tanta pressa dele se esbarrando nas pessoas. Reduziu os passos procurando não despertar suspeitas.
Ao chegar na porta do Box de leitura, olhou em volta, não havia sinal de alguém lhe observando. Respirou aliviado e entrou buscando Morga com os olhos. Ela estava sentada em frente ao balcão lendo um jornal diário enquanto bebia café. Ele se aproximou olhando em volta, colocou seu cartão na máquina e solicitou um chocolate, Morga acariciou sua mão largando o jornal de lado.
- Fale sem me olhar! – Ela pediu. – Podemos ter olheiros a nossa volta. – ela bebeu o que restava do café na sua xícara descartável. – Se algo acontecer, a informação está no programa de conversa do seu amigo virtual. Por precaução não me atrevi numa investigação completa, perderia muito tempo. Qualquer comunicação nossa deve ser feita pelo comunicador, não vá a minha casa hoje, siga direto para o Bar Lamento.
Sem dizer mais nada ela levantou e saiu do Box sem olhar para os lados. Urando estava confuso, algo que ela descobrira não lhe deixava feliz, mostrara preocupação em cada palavra pronunciada e ele deveria fazer o que recomendara. Bebeu seu café e foi diretamente ao bar Lamento, estava com poucos créditos, se gastasse quinze no lamento da sala especial, ficaria pelo menos dois dias sem ter o que comer.
Ao sair da estação, novamente percebeu que outras duas mulheres o seguiam, tentou disfarçar seguindo um outro caminho e elas desapareceram. Ao entrar no Bar, já estava decidido, depois resolveria a questão do estomago, o importante era sondar o que Morga descobrira. Uma moça o acomodou numa das mesas e ligou o autômato, ele ficou olhando em volta sem saber como deveria entrar no programa para consultar a descoberta.
- Alguma dificuldade? - disse a outra moça ao seu lado.
- Gostaria de ver o que eu disse na última vez.
- Puxe o teclado abaixo da mesa, tecle o seu código de acesso e siga os comandos de tela.
A moça sorriu e se afastou para atender outro cliente. Por alguns segundos, ele observou o teclado pequeno que era embutido numa prateleira sobre trilhos. Teclou o seu código de acesso e na tela surgiram cinco opções. Com o indicador, ele escolheu e para sua surpresa, surgiu o nome de Bernardo, tipo sanguíneo e imediatamente um pequeno letreiro piscou, “Você foi sorteado entre os clientes para um premio que mudará sua vida, siga a moça que se aproxima”. O rapaz olhou em volta e não viu qualquer moça se aproximando, aquela mensagem não era para ele, havia sido vista por seu amigo que com toda certeza seguiu as instruções.
Rapidamente voltou para a tela inicial e começou a se lamentar da vida enquanto sua mente funcionava tentando encontrar possíveis hipóteses para aquele aviso que Morga transferira para ele. Depois de quinze minutos, já estava com seu repertório de lamentações esgotados e sua paciência chegara no limite, desligou a máquina e saiu do bar.
Ao chegar em casa, tomou um banho rápido e trocou de roupa. Sentou diante da janela e ficou observando Morga que trocava de roupa para sair para mais um dia de trabalho. Ele acenou indicando que havia feito o que mandara, ela apenas sorriu e não respondeu. Parecia nervosa.
Como ela solicitara não foi até sua casa, caiu pesadamente sobre a cama e sentiu algo lhe doer nas costas, pegou o aparelho LSO que estava ao lado e deu uma palmada na testa. Havia esquecido novamente de devolver. Como não haviam cobrado, achou que seria melhor deixá-lo guardado por mais alguns dias, talvez conseguisse ter alguma diversão mexendo nas suas propriedades já que estava quase sem créditos e não poderia andar gastando.