domingo, 1 de junho de 2008

Capítulo 09

Capítulo 09

Por vários dias seguintes, Urando e Jumi treinaram juntos num ginásio comunitário de esportes, que ficava bem próximo. Mas no ultimo dia de folga, a concentração de Urando, havia desaparecido. Ele se justificou contando sobre a ansiedade que o rondava, encontraria seus amigos do orfanato. Ela o dispensou e combinou como seriam as aulas na próxima semana já que o rapaz estaria trabalhando pela manhã. Os dois almoçaram juntos, ela só teria de se apresentar ao serviço no meio da tarde.
Durante todo esse tempo, Urando encontrou mais duas vezes com Morga pela manhã, ela parecia sempre muito cansada e voltava do trabalho. A conversa nunca durava mais do que alguns poucos minutos, mas aos poucos ele sentia que estava conquistando a confiança da moça que lhe acenava com alegria ao vê-lo na janela.
No final da tarde, vestiu uma roupa confortável, o céu estava nublado, mas não parecia carregado de chuva. O serviço de controle metereológico informava nos luminosos de rua, que o tempo permaneceria estável nas próximas vinte e quatro horas. Cheio de confiança na alegria de encontrar os amigos, pegou o trem e seguiu de volta para a cidade satélite saltando na estação da escola.
Ficou por quase vinte minutos andando impaciente de um lado para o outro na escadaria onde combinaram o encontro. Finalmente avistou Soleno que vinha na sua direção de braços abertos. Logo no trem seguinte, chegou Bernardo.
Depois de muitos abraços, eles combinaram voltar imediatamente ao centro da cidade para jantar, aproveitariam o tempo e contariam as novidades já que Soleno não poderia demorar. Enquanto estavam no trem, apenas conversaram em rápidas pinceladas sobre o que estavam fazendo, mas Soleno foi o mais objetivo e foi dizendo que ainda no fim da noite, estaria embarcando para uma outra cidade já que fora designado para trabalhar na linha especial de uniformes térmicos.
- Eles pretendem desenvolver uma nova linha térmica de uniformes de campo. – Ele se mostrava muito confiante e orgulhoso. – Dentro de algum tempo, a colônia mineradora em Marte se tornará uma realidade.
- Vejo que está feliz! – Disse Bernardo com ironia.
- Mas é Claro! – Exclamou Soleno.
- Parabéns! – disse Urando abraçando o amigo.
- Eu também fico feliz! – Disse Bernardo.
- Chegamos à estação central, conheço um ótimo lugar para jantarmos. – Urando puxou Bernardo pelo braço que repentinamente se mostrara angustiado.
Os três saltaram na estação e seguiram a passos rápidos para a rua. Pelo caminho, Soleno não parava de falar contando seus progressos e sua satisfação. Havias feito algumas amizades e estava namorando uma moça que trabalhava com ele. Urando continuava observando Bernardo que suspirava e esfregava as mãos de maneira nervosa.
Logo depois do jantar, Soleno pagou a sua parte na conta do restaurante olhou o relógio e se despediu, precisava terminar de arrumar sua bagagem, partiria pouco depois da meia noite. Ele prometeu que logo estivesse alojado, mandaria o endereço, pegou seu agendador eletrônico e anotou o endereço dos amigos.
- Qual o seu tipo de sangue? – Indagou Urando ao apertar a mão do amigo.
- Sou do tipo B positivo. – Disse Soleno desconfiado. – Não entendi...
- Bobagem minha. – Urando abraçou Soleno e completou com ar de mistério. – Só me ocorreu que eu e Bernardo somos um tipo raro hoje em dia. Somos “O negativo” e os comentários são perigosos para nós.
- Engraçado! – Bernardo abraçou Soleno. – Também ouvi um comentário sobre isso quando cheguei no almoxarifado central. Falaram-me sobre dois rapazes que chegaram nos últimos tempos com esse tipo de sangue, haviam morrido tragicamente. – Bernardo olhou em volta e falou baixinho. – Parece que se mataram, um absurdo, não acredito que mesmo nas piores condições de vida, alguém tenha coragem disso.
- A maldição do sangue! – Disse Urando em tom teatral.
Os três gargalharam e se despediram de Soleno que foi diretamente para a estação de trem, Urando e Bernardo entram no bar pequeno e pediram cerveja. Nos primeiros minutos apenas conversaram sobre as mudanças que o trabalho de Soleno seria responsável pela dificuldade em voltarem a ter um novo encontro como aquele. Repentinamente Bernardo começou a chorar.
- O que está acontecendo com você? – Indagou Urando com preocupação.
- Minha vida se tornou vazia! – Bernardo respirou profundamente. – Não tenho amigos para conversar, as pessoas se mostram distantes no trabalho e minha única distração tem sido o Bar Lamento. Alem disso tudo, tenho pensado muito em minha mãe que nem conheci.
- Meu trabalho também é medíocre, mas não acho que vai ser assim por muito tempo, tenho conhecido pessoas, acho que você...
- Ninguém me dá atenção, meu trabalho é uma droga, fico o meu turno arrumando caixas em prateleiras, controlando aqueles equipamentos com apenas três alavancas e dois botões. Não vou ser nada na vida.
- Tenha cuidado para não perder a esperança, nunca deixe de confiar em você mesmo!
- Pode ficar tranqüilo, não faço besteira. – Bernardo suspirou. – Ainda terei outros amigos a minha volta, só que não posso esperar isso no ambiente de trabalho, a competição é grande, todo mundo acha que o outro quer roubar uma chance que pode aparecer.
- Estou com medo que fique deprimido e se deixe apanhar na armadilha da solidão.
- O orfanato nos preparou muito mal para a vida real aqui fora.
- Concordo! – Urando bebeu um pouco de cerveja. – Tente encontrar amigos no lugar onde mora.
- Estou num prédio pequeno, todos a minha volta são rudes e nem me olham. – Gostaria de ficar perto de você.
- As empresas não permitiriam, as pessoas são obrigadas a morar perto do trabalho nos primeiros cinco anos. Somos escravos modernos.
- Vou agüentar cinco anos, depois me mudo para perto de você. – Bernardo bebeu a cerveja de uma só vez. – Esse será meu consolo, meu objetivo. – ele se espreguiçou e olhou para o relógio. – Vou ter de ir embora, estou longe de minha casa e amanhã acordo muito cedo.
- Também começo bem cedo! – Urando abraçou o amigo. – Sei que nas próximas três semanas será difícil um encontro, mas se precisar de alguma coisa, me procure.
- Sei que tenho um amigo e isso me basta, posso agüentar alguns dias até um novo encontro. – Bernardo encarou o amigo. – Não se preocupe comigo, sabe que não sou de pensar em fazer loucuras sem antes ficar lhe azucrinando com minhas dúvidas, minha depressão é controlável. Encontramos-nos aqui nesse bar dentro de três semanas?
- Pode apostar! – Disse Urando mais confiante de que o amigo suportaria a solidão por saber que havia um amigo lhe esperando.
Eles se despediram na porta do bar e cada um seguiu numa direção. Enquanto caminhava para pegar o trem, Urando se perguntava sobre a dificuldade que eles encontravam para um relacionamento ameno no local de trabalho. Ele também concordava com Bernardo sobre a concorrência estúpida que as pessoas alimentavam. A impressão era de que um colega podia delator o erro do outro a qualquer instante só para se promover e por isso preferiam se fechar numa falta de intimidade total.