terça-feira, 17 de junho de 2008

Capítulo 27

Capítulo 27

As mulheres conduziram delicadamente Urando e Lin Ping para uma sala confortável com uma mesa de seis lugares e cadeiras em volta, havia aquários imensos forrando as paredes e mais ao fundo diversas poltronas reclináveis. Ainda temerosos, olharam em volta e não encontravam uma maneira de escapulir, deviam aguardar sem ansiedade o momento certo para tentar uma fuga caso se tornasse necessário, mas Lin Ping parecia calmo e comentou que deveriam se manter apenas atentos.
- Você sabe muito mais do que me contou! – Disse Urando segurando o velho professor pelo braço.
- Tenho a sensação de que também vou ficar surpreso com as informações que Vindara pretende nos oferecer.
- Você mentiu para mim. Não foi muito honesto de sua parte me deixar na ignorância...
- Deixe de nervosismo sem lucro! – Lin Ping se mostrou impaciente.
- Morga...! – Gritou o rapaz.
- Fique quieto! – Pediu Lin Ping. – Todo esse negócio começou no fim do século dezoito, um grupo de vinte e cinco voluntárias de pesquisa, saíram do planeta Azzim e vieram para cá. Estavam tentando encontrar uma solução para a sobrevivência em seu planeta, lá, não se conseguia mais gerar, não havia sido registrado o nascimento de homens nos últimos cinqüenta anos. Os cientistas detectaram uma alteração na atmosfera que provocava degeneração genética. Depois de pesquisarem por algum tempo, eles encontraram na Terra uma possibilidade, as raças eram muito semelhantes. No entanto o nosso sol se tornava um problema, daí a necessidade da medicação. As voluntárias descobriram coisas importantes, apenas duas sobreviveram para retornarem, foram de grande utilidade aos cientistas. Produziram um relatório preciso sobre a vida na Terra e como funcionava nossa sociedade.
- Como elas vieram para cá? – Indagou Urando desconfiado.
- Não podiam vir em naves, o tempo seria muito longo devido a distancia entre os dois mundos, o método encontrado, era novo e perigoso, o transporte molecular. Assim elas chegavam do nada em uma área determinada com coordenada específica. Descobriram que a vida no mundo aqui girava em torno do poder econômico e o ouro que para nós era de grande valor, elas possuíam esse minério em abundância e não valorizavam. Um outro grupo de voluntárias foi preparado seguindo as recomendações do relatório das primeiras. Encheram sacolas com peças feitas em ouro para fins específicos e vieram pensando em montar bordeis. Seria perfeito o disfarce, poderiam engravidar e sumir sem despertar suspeitas.
- Não podiam fazer inseminação artificial?
- Isso eu não sei os detalhes, mas parece que havia algo que não dava certo. No entanto, por mais de um século, poucos homens foram gerados, por algum tempo elas pensaram que estavam fracassadas, se tornara comum a morte das mulheres depois de darem a luz e a criança não resistia por mais de uma semana. Depois de muitas hipóteses ao longo de quatro séculos, ficou confirmado que apenas podiam gerar homens, se as voluntárias se relacionassem com parceiros geneticamente corretos de um determinado tipo sanguíneo “O Negativo” e deveriam parir aqui na Terra. Isso não seria muito fácil, as mulheres de Azzim detestavam o nosso planeta e seria difícil esconder da sociedade crianças que depois de algum tempo desapreciam sem deixar vestígio. Os bordeis não satisfaziam na hora da escolha genética. Elas eram obrigadas a se relacionar com homens de todos os tipos correndo riscos de vida. Finalmente no início desse século, eles encontraram a solução para os novos problemas detectados.
- O Bar Lamento? – Indagou Urando.
- Ainda não! – Disse Lin Ping sorrindo. – Compraram pequenas indústrias a beira da falência, injetaram capital e transformaram tudo numa corporação que hoje é conhecida pelo nome de Satter, em homenagem a idealizadora do projeto em Azzim. Ao longo de quase cem anos elas se adequaram ao comércio na Terra, no entanto o processo começou a ficar sofisticado. Algumas mulheres voluntárias ainda morriam de parto mesmo escolhendo os parceiros certos. Os filhos precisavam de cuidados antes de serem levados para Azzim. Não seria capaz de afirmar, mas acredito que o orfanato onde você foi criado seja um dos casulos. Talvez seu amigo Bernardo seja filho de uma dessas mulheres.
- Aonde entra o Bar Lamento? – Perguntou Urando com ansiedade. – Eu sou...
- Tenha calma! – Reclamou Lin Ping. – O motivo da aparente intolerância delas ao seu relacionamento com Morga, me faz crer que você não faz parte dos planos imediatos, deve ser como eu, filho de pais nativos.
- Sou “O negativo...”.
- Eu também. – Interrompeu Lin Ping demonstrando impaciência. – Só falei nisso para você acompanhar melhor a história.
- Que confusão! – O rapaz suspirou.
- O Bar Lamento foi uma idéia de um homem que não sabia o que fazer com dinheiro. Era um rico de nascença, mas na verdade gostava de ficar entre as belas mulheres sem se preocupar. Em pouco tempo, já estava cansado do negócio, nesse momento, veio uma proposta de compra e ele vendeu sem pestanejar. Um segundo grupo de mulheres de Azzim abriu uma empresa nova e assumiu o controle do Bar Lamento.
- Você sendo policial não denunciou?
- Já lhe disse os meus motivos, Raina estava envolvida, eu não poderia criar novos problemas para a mulher que amava e aparentemente nunca houvera um registro de intenções maldosas por parte delas. – ele suspirou se estremecendo e continuou. – Fui apanhado na armadilha mais velha do mundo, o medo!
- Já contou toda essa história para Jumi?
- Nem sei como dizer, mas tenho a impressão de que Jumi sabe mais do que eu! – disse o velho com ar muito desanimado. – Vamos descansar e aguardar para ver o que vai acontecer.
Por algum tempo Urando ficou vendo o velho professor cochilar ou fingir, estava inquieto e tenso. Seu coração lhe dizia que Morga sofria de alguma forma que não seria possível explicar. Um perfume suave exalava na sala mantida numa agradável penumbra, iluminada apenas pelos aquários, era muito relaxante. Acomodou-se numa poltrona diante de um deles e ficou com o olhar perdido observando os peixes nadando de um lado para o outro com movimentos lentos e suaves, relaxou o corpo e a alma, já não estava tão angustiado, logo foi envolvido por um sentimento de paz interior e adormeceu.
Ele sonhou que estava numa cama macia que flutuava no vazio, encolhido nos braços de Morga olhando as estrelas numa noite sem nuvens. Uma brisa suave acariciava seu rosto. Repentinamente no horizonte, começou a surgir um sol de cor levemente azulada com riscos amarelos. Assustado despertou confuso, olhou em volta com a visão ainda embaçada pelo sono. Lin Ping estava sentado à mesa comendo alguma coisa. Esfregou os olhos e levantou-se.
- Pensei que não acordaria mais! – Disse o professor sorrindo. – Venha comer, está uma delicia.
Ainda sentindo a boca grudada pela saliva grossa do sono, sentou-se ao lado do amigo e olhou a comida que estava servida. Era um peixe grelhado com uma salada de legumes e queijo de aparência muito agradável. Seu estomago realmente reclamava por alimento, consultou o seu relógio e viu que havia dormido por mais de cinco horas.
- Será um desses peixes de aquário? – Ele indagou com ar de quem faz uma brincadeira.
- Se for, na próxima vez quero escolher. – Disse Lin Ping sorrindo.
- Reparou como só tem mulher bonita nesse planeta Azzim?
- Nem pense em me trair! – Gritou Morga entrando na sala. – Sou temperamental e muito ciumenta.
Os dois se assustaram ao ver a moça entrar repentinamente. Ela sentou ao lado do rapaz e o olhou com carinho. Eles sorriram e se beijaram esquecendo a presença de Lin Ping que aplaudiu. Depois de algum tempo, Morga deu um suspiro.
- Terminem de comer, eu fui encarregada de levá-los depois até a cobertura onde vai acontecer uma reunião de emergência do conselho Administrador.
- O que pretendem com nossa presença? – Indagou o professor.
- Não sei! – Exclamou a moça nervosa.
Sem pressa eles comeram em silêncio, não sabiam o que pensar sobre aquela reunião. Morga acariciava os cabelos de Urando e o olhava cheia de ternura. Finalmente satisfeitos, levantaram da mesa e acompanharam a moça até a caixa de transporte. Ela olhou em volta abraçou Urando e falou a palavra “Reunião”, a porta fechou. Novamente eles sentiram um solavanco suave e a porta voltou a abrir, estavam diante de um amplo salão todo coberto por vidros azuis divididos em quadrados por molduras negras e uma mesa com mais de vinte lugares.
- Sentem aqui! – Pediu Morga também se acomodando.
O ambiente era perfumado e uma música suave saia de algum lugar que não era possível identificar. As aparências eram enganadoras aos olhos de Urando e Lin Ping.