terça-feira, 27 de maio de 2008

Capítulo 06

Capítulo 06

O almoço no restaurante no outro lado da rua era muito simples, apenas um grande prato que retiravam de uma estufa automática depois de passarem seus cartões na ranhura lateral. O sabor não era ruim, mas todos os alimentos possuíam um único sabor. Genaro aproveitou aquele momento para explicar ao seu novo operário, outros detalhes de como deveria sobreviver naquele local.
Fez questão de salientar que Urando arrumaria suas coisas e faria a limpeza, não possuía dinheiro para contratar serviços dessa natureza, até que fosse promovido e mudasse para dos condomínios fechados. Tudo que pagasse seria descontado diretamente do salário.
- Quem mora nesse lado da cidade, sempre tem pouco dinheiro, o aluguel é mais barato porque os prédios são mais antigos e menos confortáveis. – Disse Genaro.
- Você poderia morar num condomínio? – Indagou Urando.
- Talvez, mas prefiro essa movimentação incessante do centro, fico mais perto das pessoas que trabalham comigo. – Disse Genaro contendo um arroto com a mão. – Vamos andar um pouco pelas ruas mais próximas.
A maneira como Genaro falava, começava a se tornar muito afetada, havia algo estranho na demora fixa de como olhava para Urando algumas vezes, mas a sua simpatia continuava sendo primorosa. Os dois caminharam algum tempo em silêncio, o rapaz observava os detalhes em volta procurando identificar pontos de referencia para se localizar. Os nomes das ruas, lojas e até anúncios virtuais nas paredes dos prédios, tudo poderia ser importante num futuro bem próximo.
Durante a primeira semana de trabalho, Urando chegava em casa completamente exausto. O serviço era cansativo, andavam pelas linhas eletromagnéticas fazendo inspeções e toda vez que localizavam um eletrodo ou aterramento defeituoso faziam as substituições das placas. Saiam em um único grupo varrendo a linha com os equipamentos de leitura. Aos poucos se dividiam, toda vez que aparecia um defeito, alguém ficava para trás.
Para Urando, aquele serviço era desagradável, mas conseguia suportar seu medo e suas frustrações imaginando que um dia estaria de frente com uma oportunidade para se livrar dos túneis e dos perigos que estava sendo obrigado a enfrentar. Todo o trabalho era feito nos intervalos programados, a cada vinte minutos, teriam de correr para os abrigos laterais da linha e um trem passava numa velocidade imensa quase os arrastando como folhas de papel ao vento.
Depois de alguns dias, finalmente, o treinamento dele estava concluído e Genaro o avisou que no próximo turno, já estaria por conta própria. Até aquele momento, os colegas de trabalho se mantinham sempre distantes, de péssimo humor e deixavam claro que eram de pouca conversa. O único que sempre parecia simpático era Genaro, mas havia nele algo que fazia com que Urando se mantivesse alerta.
Naquela noite, teria mais tempo para descansar, no dia seguinte, só entraria no serviço depois do meio dia. Depois que chegou ao apartamento, olhou o relógio e viu que passavam das duas da tarde, não havia almoçado e seu estomago reclamava. Tomou um banho, trocou de roupa e desceu até uma pequena loja de comidas rápidas que funcionava no andar térreo do seu prédio. Comprou duas caixas de macarronada e voltou para casa.
Enquanto comia diante da janela, viu mais uma vez a moça morena que também comia no seu apartamento no prédio ao lado. Ele já sabia que ela não era uma arrumadeira e sim, uma moradora solitária como ele próprio. Era uma moça bonita, talvez um pouco mais velha, no máximo uns dois ou três anos. Ao ver o rapaz acenou para ele como já fizera algumas vezes e em seguida fechou a cortina, mas já não se mostrava irritada.
Na cabeça do rapaz circulavam idéias perdidas de uma possível conquista, nunca havia namorado e se deliciava ao imaginar como seria bom ter uma mulher em seus braços para aproveitar os momentos que agora era obrigado a viver de maneira vazia e sem sentido. Depois de comer, escovou os dentes, e caiu na cama, sentia o corpo dolorido e a alma aos pedaços. A falta dos amigos lhe fazia um buraco no coração e azedava as horas. Dentro de pouco mais de um mês, não faltaria ao encontro que haviam marcado, estava ansioso por notícias de Bernardo e Soleno.
Repentinamente lhe ocorreu à história que havia lido no livro que Soleno lhe emprestara sobre a invasão da Terra por seres de outro planeta. Sorriu para si mesmo, as mulheres belas deviam ser perigosas, as verdadeiras invasoras que assumiam o controle da mente de um homem. Mesmo que fossem calmas e discretas, produziam efeitos de uma guerra no interior de quem as desejava. Bastava ver como o amigo Bernardo se angustiava por não ter conhecido sua mãe, uma mulher que nunca fizera parte da vida dele, mas se mantinha com toda força na alma de um filho. Sempre era uma mulher a ocupar a maior parte dos pensamentos de um homem, não importava se os desejos eram eróticos ou simplesmente carência de afeto.
Caindo em seus próprios devaneios, tentou buscar no coração um lugar para pensar na mãe, mas esse sentimento não lhe corroia, era algo que se afastara e não poderia mais caminhar em suas veias. Como o seu velho mestre Lin Ping o alertara, a vida na cidade grande era bem diferente, não se deixaria iludir pela solidão, teria de buscar forças para superar seus medos e suas angustias e aproveitar todas as experiências que fossem possíveis de experimentar sem se perder no vazio espiritual.
Antes de cochilar, escutou o ronco de uma trovoada muito forte, começava a chover novamente depois de vários dias de estiagem. Se encolheu na cama e caiu num sono profundo por mais de três horas, só acordou quando alguém bateu de maneira insistente na sua porta. Levantou-se com preguiça e os olhos ardendo para atender.
- Salve, meu querido! – Disse Genaro ao ver o rapaz. – Hoje é um dia especial, vamos aproveitar.
- Não estou entendo o motivo de tanta alegria! – Disse Urando desconfiado.
- Consulte o seu terminal bancário, hoje é dia de pagamento semanal. – Disse apontando.
Urando foi até o balcão que separava a cozinha do salão e pegou o seu cartão, voltou com passos preguiçosos e fez a consulta. Escutou o colega de trabalho lendo por cima de seus ombros.
- Urando Venceslau, eletrofísico médio, Sistema Urbano de Manutenção Ferroviária, sangue Fator/RH O Negativo. – ele tossiu duas vezes. – Tipo muito raro..., Hoje em dia quase não existem pessoas com esse tipo sanguíneo! – Ele continuou a leitura. - Valor em créditos, 250. – Genaro deu um muxoxo. – Recebeu pouco!
- Me avisaram, por um tempo, um terço do que ganho vai pagar a minha divida com a Satter!
- Acho isso um absurdo, mas não adianta lamentar, vamos conhecer um pouco da diversão que a cidade oferece.
- Não posso gastar muito...
- Estou convidando! Interrompeu Genaro sorrindo de maneira maliciosa.
Pela primeira vez desde que saíra do orfanato, as palavras de seu professor Lin Ping começavam a fazer sentido. Precisava ficar alerta, algo lhe dizia que as intenções do seu chefe poderiam ser perigosas. Depois de trocar de roupa, saiu de seu apartamento repetindo mentalmente para si mesmo “Na cidade, nem sempre as pessoas são o que aparentam”.
Eles circularam por diversas casas noturnas, beberam algumas cervejas e assistiram a um show publico numa praça no centro velho da cidade onde uma banda se apresentava. Ao passarem diante um grande bar, instalado num prédio magnífico com uma escadaria imponente e portas largas de vidro, leram juntos num imenso letreiro luminoso “Lamento”, Genaro explicou que aquele era o principal, os outros eram pequenos e não se comparavam.
- Vamos marcar para na próxima semana conhecer esse ai! – Disse suspirando. – Estou faminto.
Os dois entraram num pequeno restaurante e depois de comerem, voltaram para casa. Quando entraram no prédio, Urando sorriu para si mesmo, havia feito um julgamento injusto das intenções de Genaro. Ele se portara de maneira normal como quem pretende fazer uma amizade. No elevador, mesmo sem olhar, sentiu que os olhos do amigo não desgrudavam dele, mesmo assim, não poderia reclamar de mais nada.
Quando saíram do elevador, ele estendeu a mão para Genaro e agradeceu pelo divertimento. O outro o encarou de maneira maliciosa, e o puxou num abraço apertado em seguida tentou beijar os lábios do rapaz que imediatamente reagiu se esquivando e o empurrando para o lado.
- O que aconteceu? – Indagou Genaro com cinismo. - Vai me negar seu afeto?
- Tenha certeza que nunca lhe negaria meu afeto e amizade, mas infelizmente não me sinto atraído por homens. – Até amanhã e... não se aborreça.
- Seu idiota! – Genaro se mostrou irritado e saltou sobre o rapaz e o agarrou novamente.
- Não se arrisque tanto. – Disse Urando o golpeando no estomago para se livrar da situação.
Sem dizer mais nada, o rapaz entrou no seu apartamento sem olhar para traz e se jogou na cama. Ficou algum tempo meditando com os olhos grudados no teto e pensou “A lua encontrou o sol”. Sabia que agora teria um problema para resolver no dia seguinte, estaria na mira de Genaro que se mostrara perigoso. Ainda nervoso, despiu a roupa e se deixou ficar inerte por um bom tempo até que adormeceu.