sexta-feira, 23 de maio de 2008

Capítulo 02

Capítulo 02

Olhando fixamente pela janela do trem, Urando esperava com ar ansioso a chegada da estação onde saltaria. Em pouco mais de dez minutos, já respirava aliviado, detestava ficar muito tempo naqueles túneis cheios de trilhos eletrificados. Uma das possibilidades de emprego que lhe acenaram, era exatamente na manutenção da ferrovia urbana, se arrepiou e estremeceu apertando os olhos na hora que saia novamente para a luz do dia.
Atravessou a rua e entrou no grande prédio onde funcionava a Escola Preparatória Satter, Seus amigos o aguardavam apreensivos na porta. Todos se abraçaram e entraram apressados bem na hora que a sirene foi disparada anunciando o início do horário de aulas. Por quase três horas, eles estiveram suando e mordendo os cantos das unhas enquanto marcavam as respostas corretas no ultimo teste de verificação do ano letivo.
A sala era ampla e climatizada embora o ar estivesse denso, se notava aflição nos olhares onde mais de quarenta estudantes estavam terminando o curso profissionalizante. Pouco mais de metade da turma, era oriunda do orfanato. Em comum, todos completariam dezoito anos ou já haviam feito aniversário e aguardavam os chamados da Corporação. Os outros eram alunos da comunidade pobre da cidade e tentavam alcançar uma vida mais digna com uma profissão definida, poucos tentariam uma vaga nas universidades públicas.
Quase ao mesmo tempo, os três amigos entregaram o teste com as respostas concluídas. No controle de monitoramento do circuito interno das salas, o fiscal coçou a cabeça. Ele sabia que havia algo errado já que conhecia bem os três jovens, mas não conseguia encontrar a maneira como eles estavam se comunicando. Sua desconfiança beirava o limite da especulação com situações ridículas.
Entrar na sala com algum equipamento eletrônico seria impossível, mas a genialidade de Urando era famosa na escola, assim como as limitações de Bernardo e de Soleno. O que despertara a curiosidade inicial do fiscal controlador havia sido a entrega simultânea dos testes e a demora de Urando para concluir. Ele ligou o comunicador e solicitou a presença da diretora do orfanato, professora Heloisa.
Na rua, Bernardo saltitava todo feliz e aliviado, o plano de Urando havia sido a sua salvação, se dependesse da sua cabeça, estaria até agora com as respostas em branco. Soleno que era mais tímido, apenas sorria e abraçava os amigos, mas logo ficou intrigado com a expressão preocupada de Urando.
- O que lhe preocupa? – Indagou detendo o amigo pelo braço.
- Vocês deviam ter aguardado eu sair da sala para entregar os testes. – Disse Urando maneando a cabeça lentamente. – Isso poderá despertar muita suspeitas.
- Deixe de ser pessimista! – Exclamou Bernardo. – Minha mãe lhe agradece de onde estiver nos olhando.
- Agora não adianta lamentar! – Soleno suspirou profundamente.
- Que a lua não encontre o sol! – Disse Urando como sempre concluía uma conversa diante de um possível problema.
Naquela noite, eles conversaram até muito tarde, estavam hipnotizados olhando pela janela do alojamento a chuva que continuava caindo no lado de fora. O céu estava completamente encoberto por nuvens grossas e gordas escondendo as estrelas. Pouco antes de deitarem para dormir, Urando entregou o livro que estava lendo para Soleno.
- Já acabei, pode devolver na biblioteca.
- O que achou? – Perguntou Soleno pegando o livro das mãos do amigo.
- Muito interessante, mas acho que Milino Santiago é um escritor que tenta confundir o leitor.
- Como assim? – Indagou Bernardo.
- Ele narra uma história no passado avançando no futuro, essa conversa sobre alienígenas se infiltrando na terra é muito pouco provável. – Urando coçou o queixo. – Se os seres de outro planeta possuem tecnologia avançada ao ponto de nos alcançarem, não perderiam tempo com nossa cultura ainda incipiente.
- Esqueça o lado lógico, o bom está na aventura! – Suspirou Soleno guardando o livro na gaveta do armário ao lado da cama.
- A trama investigativa é bem elaborada! – Exclamou Urando pensativo. – Gostei muito do cuidado do autor em não perder tempo com detalhes que nada significavam para o conteúdo principal. Parece que ele aproveitou dados reais muito especulados na época.
- No passado se tornou muito comum, pessoas afirmarem terem visto naves, até se questionou um tal “projeto X” ou coisa semelhante. – Disse Bernardo.
- Conheço a história! – Urando sacudiu a cabeça de um lado para o outro. – Se eles vieram até aqui, nos abandonaram, éramos muito ignorantes e perigosos para eles.
Todos se entreolharam sorrindo e cada um se acomodou na cama tentando alcançar o sono. Mas Bernardo estava ansioso demais para adormecer e ficou por muito tempo revirando de um lado para o outro. Dentro de uma semana comemoraria seu aniversário de dezoito anos e seria o primeiro a ser chamado, teria de abandonar os amigos. O seu consolo poderia consistir na possibilidade de que logo em duas semanas depois seria a vez de Soleno e no mês seguinte Urando.
Em breve poderiam se reunir longe do orfanato sem ter cuidado com o que conversavam, estariam definitivamente no mundo real. Olhou mais uma vez para o amigo Urando que já adormecera, sabia que sem ele não lhe restava uma esperança de vida digna. Dando um longo suspiro, virou-se de lado e adormeceu tentando acreditar que tudo estava resolvido e nada seria descoberto embora o medo se instalasse em seu coração.