terça-feira, 3 de junho de 2008

Capítulo 11

Capítulo 11

Sentindo um pouco de tédio depois da sua jornada diária no serviço, estava cansado, mas resolveu ficar algum tempo passeando pelas ruas movimentadas do local onde morava aproveitando o ar da noite. Ao chegar diante do Bar Lamento, pensou em entrar para desabafar suas angustias, no entanto, não gostava da idéia de ficar conversando com um autômato. Não poderia contar com sua amiga Jumi que estava estudando naquele horário, dentro de poucos dias partiria para concluir o módulo prático da graduação de alto comando na polícia, na capital política. No entanto, deveria se informar sobre métodos de investigação e com isso tentar descobrir o segredo que Morga ocultava.
Poderia ser arriscado, o que fosse descoberto seria capaz de comprometer definitivamente aquela bela mulher, inclusive havia o medo em perder a possibilidade de ter esperança numa conquista afetiva, mas sua curiosidade era incontrolável. No dia seguinte, teria uma aula com Jumi, aproveitaria para conversar sobre tudo que estava lhe acontecendo, não dava para confiar nos seus impulsos, precisava dos conselhos de alguém mais experiente. Olhou mais uma vez o letreiro luminoso do bar Lamento e deu de ombros, pegou o caminho de casa sentindo uma chuva fina que desabava sobre sua cabeça.
Ao acordar pela manhã, estava sentindo o corpo dolorido. O sono não havia sido suficiente, despertara pelo habito. Vestiu-se rapidamente e desceu para a rua, o tempo ainda estava nublado e a o chão molhado. Olhou em volta buscando ter a certeza que a gangue dos tatuados não rondava o lugar, ao constatar que tudo estava seguro, sentou-se no degrau do prédio de Morga e ficou esperando. As pessoas que retornavam para casa passavam por ele sem lhe dar atenção, naquela parte da cidade não conseguia ver crianças.
Sentia sua barriga reclamando por comida, mas não deixaria de manter a sua rotina que estimulava a razão de continuar naquele lugar. Já pensara algumas vezes em pedir demissão do trabalho e tentar uma outra colocação, mas sabia que os riscos eram grandes, a Corporação lhe daria três meses para recomeçar a pagar a divida prevista no contrato que assinara ao deixar o orfanato, caso não conseguisse emprego, seria preso por negligencia financeira. Seriam dois anos em regime fechado no presídio da cidade onde teria de trabalhar em condições bem piores.
A lembrança do amigo Bernardo lhe ocorreu repentinamente, sentiu um aperto no coração que não sabia como explicar. O amigo se mostrara frágil e solitário, mas tentaria pensar numa maneira para estimular sua auto-estima e quem sabe encontrar uma maneira de animá-lo para encontrar amizades novas. O que deixava Urando mais sossegado era a certeza, que seu amigo nunca fazia nada sem antes perguntar centenas de vezes a opinião dele e de Soleno.
- Sonhando acordado?
- Morga...? – Urando se assustou ao ver a moça que carregava um pacote nos braços. – Não vi você chegar.
- Estava absorto!
- Pensava num amigo que vive um momento delicado.
- Comprei uma geléia de frutas e pão integral, já comeu alguma coisa?
- Ainda não! – Urando ficou de pé sacudindo os fundilhos.
- Vamos lá em casa? Estou faminta!
- Antes eu quero pedir perdão por ter sido inconveniente ontem.
- Esqueça! – ela segurou o braço de Urando e o puxou para dentro do prédio.
Eles caminharam em silêncio até os elevadores e ficaram observando o sinal luminoso que mostrava os andares onde cada um se encontrava. Um deles abriu a porta e varias pessoas saltaram, inclusive Jumi que estava saindo para trabalhar.
- Bom dia Urando e Morga, não esperava encontrá-los tão cedo! – Disse Jumi com um sorriso malicioso nos lábios.
- Esse seu amigo é muito gentil. – Disse Morga entrando no elevador.
- Não esqueça o nosso compromisso depois do almoço! – Disse Jumi ao passar por Urando.
Varias pessoas entraram no elevador e ele ficou distante de Morga. Se olhavam e sorriam por cima dos ombros das outras pessoas e só voltaram a ficar juntos quando chegaram no pavimento onde a moça morava. Logo que saíram do elevador se entreolharam e suspiraram de alivio, Morga entregou o pacote que trazia nos braços para o rapaz e abriu a porta.
Depois que entraram, ela foi para trás do biombo e trocou de roupa enquanto ele abria o pacote sobre o balcão que separava a cozinha da sala. Ele olhou para a moça que estava magnífica no seu vestido preto de decote ousado, era uma bela mulher e por certo deveria trabalhar com algo que ele nem queria mais saber, bastava ficar encantado e não importava naquele momento o que ela fazia com seu corpo e sua vida.
Sabia que não devia se intrometer já que Morga demonstrara seu constrangimento ao falar de trabalho, seria mais prudente descobrir isso de outra maneira, não voltaria a tocar no assunto novamente. Estava curioso, mas isso não afetaria a amizade e o desejo que nutria por ela.
- Você está mesmo sonhando acordado! – Disse Morga sorrindo enquanto pegava o vidro de geléia e o pacote de pão das mãos de Urando.
- Estava pensando em você. – disse Urando colocando os cotovelos sobre o balcão e apoiando a cabeça nas mãos.
- O que estava pensando exatamente...? – Indagou a moça com ar desconfiado.
- No dia em que cheguei aqui na cidade, a primeira mulher que vi da minha janela, era muito bela, ela fechou a cortina na minha cara. – Mentiu.
- Não lhe conhecia, não gosto de bisbilhoteiros tarados.
- Tenho cara de tarado?
- Engraçadinho! Você sabe que não foi isso que eu disse! – ela maneou a cabeça e entregou um pão com geléia para Urando. – O mais interessante, foi como você me conquistou a confiança, sem falar muito, sem se impor de maneira desagradável, apenas me cortejou com carinho, nunca imaginei que ainda existisse um homem assim. Você é sangue bom!
- Sou O negativo! – Ele falou com deboche.
Morga se engasgou e começou a tossir ficando com a face muito vermelha. Assustado, Urando jogou o seu pão sobre o balcão e correu para socorrer a moça lhe dando um soco de leve no meio das costas. Ela respirou profundamente e seus olhos cheios de lágrimas fitaram o rapaz.
- Se afasta de mim, não sou...
- Não interessa o que você é, não quero saber. – Ele falou acariciando o rosto de Morga e a encarando com ternura. – Vamos apenas deixar acontecer esse momento, o resto pode não chegar a ser possível, mas ninguém vai roubar a preciosidade de seus olhos me oferecendo a imagem de uma beleza sem comparação.
- Eu não...
Ele calou Morga com um beijo suave em seguida ela se deixou levar pela onda de desejos que invadia a sua muralha de proteção. Estava encantada por aquele rapaz, retribuiu o beijo com ardor e aos poucos já nem lembrava dos motivos que quase a impediam de viver aquele momento.
Sem pressa, eles foram se despindo num beijo interminável. O calor dos lábios incendiava a paixão que ambos já não conseguiam disfarçar. Aos poucos a intimidade dos corpos desnudos se mostrava absoluta, ao deitarem na cama, o prazer da vida se mostrava intenso e o rapaz segurou suavemente a cabeça de Morga e aproximou os lábios do seu ouvido.
- Estou nervoso, essa é minha primeira vez.
- A minha também! – Ela sorriu e o beijou com uma fúria que nunca imaginara para si mesma.
Pouco antes do meio dia, Urando acordou de um breve cochilo depois de ter passado algumas horas nos braços de Morga que estava despida e profundamente adormecida ao seu lado. Ele começou a se vestir, teria de se encontrar com Jumi dentro de duas horas. Depois que calçou os sapatos olhou mais uma vez para a bela Morga, sentiu vontade de voltar aos seus braços, mas se controlou.
Olhando em volta viu sobre uma pequena mesa de cabeceira ao lado a seringa pistola dentro de uma embalagem e duas caixas transparentes. Uma estava vazia e a outra com seis ampolas de um liquido azulado. Pegou a caixa vazia e ficou intrigado, não conseguia entender as letras, devia ser algum idioma desconhecido. Pensativo, guardou no bolso e em seguida acariciou os cabelos de Morga.
Sentia-se roubando um segredo, mas talvez fosse necessário se pretendia ajudar de alguma forma, poderia ser uma droga ruim, ele não queria se intrometer, mas também não poderia ficar omisso. Levaria para Jumi que por certo identificaria sem problemas o que era aquele remédio.
Como Morga estava realmente adormecida, ele não a acordaria, saiu do apartamento sem fazer ruído e foi para casa. Depois de tomar um banho rápido, e comer uma macarronada que havia comprado no dia anterior, foi para o ginásio de esportes encontrar com Jumi que já havia começado os exercícios de aquecimento. Ele se entregou por mais de três horas aos treinamentos e quando finalmente a lição estava concluída, sentaram numa pequena lanchonete e pediram sucos de frutas.
- Tem algo lhe incomodando? – Indagou Jumi com ar desconfiado.
- Que remédio é esse? – Ele pegou no bolso a caixa vazia que trouxera da casa de Morga.
- Deixe dar uma olhada. – ela tomou a caixa das mãos de Urando. – Não conheço!
- O que está escrito?
- Sei lá! – Ela virou a caixa com o dedo de um lado para o outro sobre a mesa. – Vou levar, amanhã lhe digo alguma coisa.
- Amanhã não posso, tenho de me encontrar com meu amigo!
- Onde achou isso?
- Depois lhe digo!
- Está certo! – Jumi sorriu e guardou a caixa no bolso. – Dentro de quatro dias vou viajar, fico longe por três meses, mas se você precisar de alguma coisa imediata, deixarei o numero de contato.
- Se eu fosse investigar alguma coisa, por onde começaria?
- Não sou investigadora, trabalho com hipóteses oriundas de fatos reais e ofereço caminhos aos investigadores. – Ela maneou a cabeça. – Se quiser investigar algo, deverá começar seguindo os passos da pessoa, no caso de alguém que morreu, desapareceu ou foi ameaçada, refaça o caminho anterior. Nunca esqueça que o cuidado para não ser muito obvio, faz a diferença para se alcançar o sucesso.
- Gostaria de conhecer mais o seu trabalho! – Disse Urando com timidez.
- Se realmente se interessa, posso levar você para uma visita quando voltar do meu treinamento. – Jumi coçou a cabeça. – Acho que você seria um bom policial, é muito inteligente, intuitivo, curioso e sem afetação.
- Sempre gostei de histórias complicadas, mas isso não me garante um lugar de destaque entre vocês.
- Não seja acanhado, dentro de um ano, haverá exame publico para o serviço de inteligência, acho que será bem melhor do que trabalhar na Ferrovia Urbana. – Jumi bebeu o suco e levantou-se. – Vou andando. Não esqueça que ao investigar uma coisa, nunca se impressione com a cena, pense nas diversas possibilidades.
Ao chegar em casa, olhou para a janela de Morga e viu que ela já havia saído para trabalhar. Ele também teria de se apressar, tomou outro banho e vestiu o macacão verde escuro que sua equipe usava. Sabia que talvez fosse melhor não se intrometer na vida de Morga, mas caso fosse uma viciada em tóxicos, poderia encontrar um meio de oferecer ajuda sem violentar sua intimidade.
Saiu para o trabalho com um sentimento de perda muito grande lhe apertando o peito. Não poderia explicar, mas ainda havia nele muitas dúvidas sobre como sobreviver naquela cidade hostil e solitária. Por alguns instantes foi surpreendido por uma saudade sem fundamento do tempo em que era um inocente e vivia no orfanato. Logo afastou aqueles pensamentos ao relembrar o prazer que experimentara nos braços de Morga.
Mesmo naquele trabalho medíocre, se manteve sorrindo tempo inteiro e soltando gemidos de satisfação. Estava ansioso para terminar seu turno e voltar para casa, poderia se encontrar com a mulher que o enfeitiçara e no fim do dia, estaria a caminho do bar onde o amigo Bernardo o esperava.