segunda-feira, 2 de junho de 2008

Capítulo 10

Capítulo 10

Naquela noite o sono do rapaz foi perturbado por pesadelos e quando acordou pela manhã apenas recordava de ter dormido mal e sonhado bastante, mas não seria capaz de contar nada. Passou o turno de trabalho de péssimo humor, Genaro não lhe dirigia a palavra e seus colegas sorriam maliciosamente como quem espera uma oportunidade para comemorar o desafeto do chefe por quem parecia ter sido protegido nos primeiros dias.
Os treinamentos de defesa pessoal com Jumi continuavam intensos, ela era uma mulher muito interessante embora de pouca conversa. Por duas vezes encontrou com Morga pela manhã. Ele saia para o trabalho e a moça chegava para descansar. Quando retornava para casa, Urando sentava diante da janela para almoçar e ficava observando a moça quase sempre dormindo. Acordava pontualmente às quatro e meia, tomava banho, se arrumava e saia para o trabalho, era uma rotina que já começava a se tornar divertida.
Ela sempre acenava para ele da sua janela e não se preocupava mais em fechar a cortina. Na semana onde o turno era pela tarde, ele aproveitou para se colocar de pé diante do prédio dela e esperar sua chegada, sempre conversavam por alguns minutos e tomavam o café da manhã numa lanchonete próxima. Em seguida, ela subia para seu apartamento e ele ia ao ginásio de esportes para fazer exercícios de musculação.
A cada dia o sorriso de adeus era mais aconchegante, os lábios da moça se abriam como uma rosa desabrochando, estabelecendo em Urando um sentimento de deleite e prazer embora ainda o contato permanecesse furtivo. Na manhã anterior ao fim de turno vespertino, Urando estava ansioso para o encontro com seu amigo Bernardo que aconteceria dentro de uma semana.
Acordou muito cedo e ficou zanzando enquanto as horas passavam lentamente como resto de mel escorrendo da garrafa. Assim que notou que se aproximava o horário de chegada de Morga, desceu e ficou plantado na frente do prédio com o olhar atento. Notou que dois homens e uma mulher completamente tatuados e vestidos de maneira semelhante, caminhavam lentamente de um lado para outro observando quem passava.
Era muito interessante a história que sabia sobre aquele tipo de grupo, sempre com roupas negras, correntes penduradas no pescoço e lenços amarrados na cabeça. Jumi lhe havia advertido sobre essas gangues que perambulavam pela cidade, eram perigosos e geralmente viciados em drogas pesadas.
Finalmente a imagem encantadora de Morga surgiu no outro lado da rua, ela olhou para ele e sorriu acenando. Ao atravessar a rua, imediatamente foi cercada pelo grupo tatuado e empurrada para uma pequena viela entre os prédios. Tudo acontecera numa velocidade espantosa, o coração de Urando disparou sentiu suas pernas tremerem, mas não fraquejou, correu para socorrer a moça sem ter a menor idéia do que estava acontecendo.
Assim que entrou na viela, viu que a mulher tatuada estava com um canivete no pescoço de Morga enquanto um dos homens agachado remexia na bolsa. O terceiro homem saltou na frente do rapaz e o ameaçou com uma faca. Urando não deu a si mesmo tempo para sentir medo. Com agilidade golpeou o homem e o colocou a nocaute, e partiu para cima do outro que também pegara uma faca se preparando para o combate. O rapaz não conseguia pensar, apenas agia por reflexo e com total empenho em salvar Morga esquecendo da sua própria segurança.
A mulher que segurava o canivete no pescoço de Morga tremia e xingava aos berros, o outro homem saltou de lado tentando surpreender Urando que se esquivou da faca. Por quase cinco minutos eles saltaram e tentaram golpes, finalmente o homem acertou um chute no rapaz que perdeu o equilíbrio caindo sentado. Como sua amiga Jumi lhe ensinara, passou a perna em circulo arrastando o seu oponente também para o chão em seguida o chutou com violência no rosto. A luta chegara ao seu final, a mulher fechou o canivete e saiu correndo, ele não tentou detê-la. Levantou limpando os fundilhos da calça e abraçou Morga que tremia completamente desnorteada, sua face estava lívida de medo.
- Vou levar você pra casa. – Disse o rapaz ainda ofegante.
Em silêncio os dois entraram no prédio, ela ainda muito pálida e tremula se apoiava no braço de Urando que sentia suas mãos geladas. No elevador ela começou a chorar e se encolheu no peito acolhedor do rapaz que afagou seus cabelos com ternura. Aquele contado era algo divino para Urando, estava recompensado sentindo a delicadeza dos fios brilhantes daquele cabelo perfumado.
Ao entrarem no apartamento de Morga, ele olhou em volta, era bem maior do que o seu embora fosse menor do que o de Jumi.
A decoração era simples e acolhedora. Havia um sofá de três lugares, algumas almofadas espalhadas num canto. Uma estante com pequenos bonecos feitos de pedra branca e um aquário onde quatro peixes nadavam calmamente. A cozinha também era separada por um balcão, um biombo de madeira e palha sintética escondia a cama e um armário.
Ela sentou no sofá e ficou olhando para o rapaz como quem não sabe o que dizer, finalmente enxugou as lágrimas com as mãos e suspirou profundamente. Batendo suavemente as mãos nos joelhos, ela se colocou de pé e deu um beijo no rosto de Urando.
- Nem sei como lhe agradecer.
- Eu posso sugerir? – Ele sorriu ao ver que a moça concordava com um gesto discreto de cabeça. – O que fiz não foi para ganhar agradecimentos. Tenho minha folga na próxima semana e nem sei o que fazer dela. Qual o seu dia de folga?
- Não tenho dia certo de folga...
- Você é uma escrava...? – Ele indagou com ar maroto.
- Não...! – Ela se espantou.
- Quem trabalha tem de ter folga. – ele esfregou as mãos. – Onde você trabalha?
- Não gosto de falar do meu trabalho! – disse a moça nervosa.
- Gostaria de lhe convidar para jantar, passear, conversar...
- Na próxima semana eu consigo me liberar um dia inteiro.
- Está certo! – ele deu de ombros. – Você é uma mulher muito bonita.
- Agradeço o elogio. Não se iluda, a beleza pode ser perigosa. - Ela abriu a porta.- Se não se incomoda, preciso tomar um banho e dormir, estou exausta.
- Se precisar de alguma coisa, grite da sua janela! – Ele sorriu e saiu para o corredor. – Até amanhã.
Ao chegar no seu apartamento, foi até a janela para abrir a cortina, mas se conteve dando um muxoxo fazendo uma expressão com ar de duvida e ficou espreitando discretamente Morga. A moça estava sentada na cama com ar desconfiado, parecia que estava preparando uma seringa pistola de compressão. O tempo todo olhava na direção da janela de Urando como quem receia ser vista.
Ela se aplicou a injeção e jogou a pistola de lado, caiu deitada na cama com o rosto voltado para o teto. Ainda não havia trocado de roupa, apenas despira a calça e retirado os sapatos. Pó algum tempo ela parecia imóvel, mas aos poucos se encolhia abraçando o travesseiro e Urando sentia que ela parecia angustiada.
Na cabeça do rapaz as coisas começavam a ficar bem confusas, talvez aquela moça fosse uma prostituta, viciada em drogas e por conta disso tentava se esquivar de sua amizade. Por outro lado, o susto por que passara, poderia justificar a aplicação do remédio para alguma doença nervosa ou outro tipo de enfermidade. Sem ter o que fazer naquele resto de manhã, entregava o espírito ao devaneio que poderia ser muito perigoso. Sua imaginação precisava ser contida antes de julgar coisas que via e não entendia.
Ele se deixou cair deitado na cama com os braços abertos em cruz. Mesmo com tanta desconfiança que se apoderara da mente, Urando não conseguia deixar de pensar no belo corpo de Morga, sentia formigar na mente um desejo imenso de experimentar o sabor daqueles lábios carnudos, o calor das mãos e o prazer de uma aventura sem limite. Ela o empolgava, até a lembrança da suavidade da voz de Morga refrescava o calor de seus dias solitários.
Repentinamente se assustou ao lembrar do semblante aflito e nervoso da moça quando ele perguntou onde trabalhava. Refazendo a cena na memória, podia jurar que Morga quase entra em pânico. O relógio de pulso vibrou trazendo sua mente de volta para a realidade do momento. Dando um longo suspiro se espreguiçou, estava na hora de se preparar para o seu turno de trabalho.