segunda-feira, 26 de maio de 2008

Capítulo 05

Capítulo 05

Pela manhã, muito cedo, Urando já estava acordado e com toda a sua bagagem arrumada. Remexeu nas suas gavetas em busca de algum objeto esquecido, arrumou sua cama, abriu e fechou a janela dezenas de vezes, andou em círculos com passos miúdos suspirando pelo quarto com o olhar sempre buscando os ponteiros do relógio. Finalmente resolveu não perder mais tempo. Estava na hora de concluir o seu período de vida protegida, o mundo lhe acenava para os perigos inerentes ao processo de independência. Pegou sua sacola e saiu do quarto para a última refeição naquele lugar.
Ao comer lentamente a sua refeição matutina, sentia-se ansioso e o estomago doía, estava sentindo muito medo, mas teria de enfrentar com dignidade o início de sua liberdade. Acenando para os que ainda teriam de ficar por algum tempo mais, saiu do orfanato e respirou profundamente dando uma última olhada naquele conjunto de quatro prédios iguais separados por cercas vivas escondendo uma tela de aço.
Depois de respirar profundamente, apertou a alça da sacola na mão e prosseguiu caminhando sem pressa na direção da estação de trem. Apresentaria-se logo que chegasse à Central, no subsolo do coração financeiro da grande cidade. Agora não haveria como recuar já estava sozinho nessa empreitada e deveria tomar suas próprias decisões.
Os poucos minutos dentro do trem, foram completamente estranhos, não sabia precisar quantas estações já haviam passado, seus olhos ardiam e sua boca estava ressecada. Quando escutou o aviso de chegada na Estação Central, estremeceu, mas continuou seu caminho e logo identificou o escritório da administração. Imediatamente foi ao balcão de informações como, lhe haviam determinado e mostrou seu cartão de encaminhamento para uma moça que o recebeu com um sorriso plastificado.
- Um minuto, consulto e lhe encaminho! – ela tomou o cartão e fez a leitura ótica. – Sala seis, passe pela porta e siga em frente. – devolveu cartão e apontou a porta.
- Muito obrigado!
- Se apresse! – ela se voltou para o computador.
Sem discutir, o rapaz entrou pela porta indicada e viu que haviam dezenas de portas numeradas num corredor muito iluminado e largo. Havia um odor de desinfetante no ar e sem conseguir se conter ele espirrou algumas vezes. Ao parar diante da porta numero seis, voltou a olhar em volta, tudo muito limpo e deserto, parecia que estava entrando por um túnel que o levaria para um mundo fora da realidade.
Assim que abriu a porta encontrou outro corredor estreito e duas portas, um homem vestido de macacão branco, veio ao seu encontro. E sem dizer nada apontou para que sentasse numa cadeira ao lado de uma mesa com equipamento para coleta de sangue. Imediatamente fez a retirada do material que queria para os exames como se fosse um autômato. Com outro gesto o mandou entrar numa das salas.
Por alguns minutos, Urando ficou de pé olhando em volta aquela sala toda branca com alguns equipamentos. Outro homem de branco entrou e com um sorriso o estendeu a mão indicando que o rapaz deveria sentar na cadeira que lembrava a de dentista. Durante vários minutos, o homem em silêncio fez varias radiografias da arcada dentaria e instalou eletrodos no peito do rapaz que transmitiam sinais para uma leitora ao lado.
Quando tudo estava concluído, o homem de branco o encaminhou para outra sala ao lado onde havia algumas poltronas. Novamente ele estava solitário e sem entender o que significavam aqueles exames. Esperou algum tempo e um outro homem vestido de maneira esportiva entrou sorrindo.
- Vamos lá?
- Lá... Onde? – Indagou o rapaz.
- Conhecer o seu apartamento! – O homem se mostrava descontraído.
- Quando começo o meu trabalho? – Perguntou desconfiado.
- Vai pegar o turno da manhã, antes precisamos de todos os exames prontos! – O homem estendeu a mão. – Sou Genaro, seu chefe de equipe.
Os dois saíram imediatamente pelo mesmo corredor por onde Urando entrara e pegaram um trem, saltaram duas estações adiante. No caminho mantiveram silêncio, no entanto, Genaro o observava com interesse. Quando saíram na rua, o movimento em torno deles era intenso, o rapaz se assustou, nunca imaginara aquilo já que a cidade grande era completamente desconhecida para quem vivia no orfanato.
- Você veio do orfanato Satter? – Indagou Genaro.
- Era bem diferente! – Disse o rapaz olhando em volta.
- Logo se acostuma com tudo isso! – Genaro fez um gesto com a cabeça pedindo que Urando o seguisse. – O apartamento para os novatos é bem pequeno. Moramos todos os trabalhadores de manutenção num único prédio, mas quase não nos encontramos, todo mundo trabalha em horário diversificado.
- Não entendo! – Urando coçou a cabeça.
- Nossa equipe trabalha uma semana pela manhã, na outra pela tarde e na outra pela noite. Assim, as outras equipes estão dormindo ou no trabalho quando folgamos.
- Quantos dias de folga?
- Por uma semana inteira, não foi a toa que caiu na minha equipe, que estará voltando amanhã da folga. – Disse Genaro abrindo a porta do prédio. – Vamos até a portaria, farei seu registro e poderá cadastrar a senha de liberação.
Eles ficaram diante de um monitor antigo com um teclado pequeno. Genaro passou o seu cartão numa fenda lateral e abriu o programa de cadastro em seguida passou o cartão de Urando e mandou que digitasse a senha. Concluído o registro, um pequeno compartimento abriu automaticamente ao lado do teclado e um novo cartão apareceu.
- Esse será seu cartão permanente, em qualquer lugar, o identificará. – Genaro pegou Urando pelo braço e entrou num elevador. – Ficará no vigésimo oitavo andar, apartamento 2818, será meu vizinho, eu estou 2811. Amanhã lhe apresento ao resto da equipe.
Assim que saltaram do elevador, entraram por um corredor extenso com portas numeradas em ambos os lados. Ao chegarem diante do 2818, Genaro indicou que o rapaz deveria introduzir o cartão num orifício lateral e feito isso, a porta destravou.
- É todo seu, espero que aproveite bastante. – Ele entrou. – Aqui ao lado tem o terminal para consulta de créditos bancários, se você precisar de alguma coisa, basta pegar aquele comunicador na parede e ligar 2811, eu venho lhe socorrer.
O apartamento era pequeno, apenas um grande salão com uma divisória feita por um balcão a onde ficava de um lado a cozinha, no outro uma cama, um armário e uma porta de acesso ao sanitário. No fundo, uma janela de pouco mais de um metro quadrado que dava para a janela de um outro prédio há pouco mais de quinze metros de distancia.
Antes de sair, Genaro explicou que a conta bancaria do rapaz possuía uma quantidade de créditos que daria para se alimentar por alguns dias e havia um restaurante barato no outro lado da rua, ao lado de um bar muito grande chamado Lamento.
- Lamento? – Urando fez uma careta.
- Existem bares para as pessoas conversarem seus problemas com autômatos, esse ai em frente é uma das filias mais famosa. – Explicou Genaro se divertindo com a falta de conhecimento do outro.
- Nunca imaginei uma coisa assim! – Urando jogou a sua sacola num canto.
- Como estou de folga, hoje vou cuidar de você, já vi que vai ficar confuso! – Genaro estendeu a mão. – Em uma hora, passo aqui e vamos almoçar.
Urando deu de ombros e ficou olhando a porta sendo fechada, pensando como se surpreendera diante da cortesia de Genaro. Um homem de quase quarenta anos que se mostrava atencioso para com um subordinado que acabava de chegar. Havia sido uma atitude muito simpática, afinal encontrara alguém que lhe parecia agradável.
Andando de um lado para o outro, Urando observou cada canto daquele apartamento cuidadosamente. Ali seria seu novo lar numa cidade estranha embora tão próxima. Esse isolamento no qual viviam todos os que eram criados no orfanato, foi uma das questões levantada por ele e quase lhe custou à primeira ameaça de expulsão. Agora não adiantava ficar lembrando do passado. Debruçando-se na janela, tentou imaginar como estavam alojados seus velhos amigos.
Na janela em frente, viu que uma mulher jovem estava fazendo a limpeza do apartamento, provavelmente era uma empregada do condomínio e por certo ele também teria essa regalia. A mulher ao ver o rapaz acenou irritada e fechou a cortina. Ficou por algum tempo distraído observando as janelas vazias a sua frente até que escutou alguém batendo na porta.