quinta-feira, 29 de maio de 2008

Capítulo 08

Capítulo 08

No seu primeiro dia de folga, Urando acordou angustiado experimentando com mais intensidade a falta dos seus companheiros do orfanato, olhou em volta buscando alivio, mas não havia nada realmente seu naquele pequeno apartamento. Lembrou mais uma vez do seu professor de Defesa pessoal, Lin Ping que lhe dera o endereço de uma pessoa amiga na cidade para que continuasse treinando. Embora não gostasse de competições, sentia prazer em fazer aqueles exercícios típicos das lutas marciais.
Depois de tomar um banho, começou a procurar onde havia colocado o papel de embalagem de chocolate com o endereço escrito por Lin Ping. Por quase meia hora, revirou de maneira ansiosa seus poucos pertences, já nervoso pensava em desistir quando finalmente encontrou o que buscava num pequeno bolso da sacola que já havia inspecionado anteriormente. Ao ler o que estava escrito, soltou uma gargalhada sonora, era no prédio ao lado.
Ao sair do prédio onde morava, Urando sentiu o vento gelado penetrar suas roupas e a chuva cair em seu rosto de maneira dolorida, era fina e fria, cortava feito fio de navalha afiada. Jogou o capuz do casaco e foi até o salão de entrada onde morava a tal pessoa chamada Jumi, indicada pelo professor. No papel estava escrito quinto andar, ele buscou no quadro de comunicação, apartamento 506 e apertou o botão. Por varias vezes tentou sem sucesso, dando de ombros já estava desistindo quando uma mão pousou delicadamente em seu braço.
- Jumi está trabalhando!
Ele se voltou rapidamente e viu a mocinha de cabelos negros que sempre observava diariamente da sua janela. Era muito bonita. Olhos verdes, cabelos negros e lisos compondo um rosto sublime onde os lábios sensuais exibiam um sorriso encantador. Quase de sua altura, estava vestida de maneira discreta, uma calça marrom e blusa branca.
- Você é a moça que mora no apartamento em frente da minha janela? – Ele perguntou de maneira tímida.
- Meu nome é Morga! – Ela estendeu a mão.
- Sou Urando!
Os dois ficaram algum tempo em silêncio sem saber o que dizer, mas logo Morga abriu a porta do prédio e se despediu deixando o rapaz com ar de palerma paralisado completamente, de boca aberta sem conseguir se mover. Ele havia se encantado com a moça desde que a vira pela primeira vez da janela, mas agora que viu pessoalmente esse encanto era ainda maior. Havia nessa moça uma magia que seria impossível de ser descrita. Sua voz possuía uma musicalidade envolvente, lembrou das lendas antigas onde belas mulheres meio peixe meio gente, chamadas de sereias que viviam no mar, naufragavam navios encantando marinheiros.
Se estremecendo para sair do transe, Urando olhou em volta e suspirou sentindo seu coração batendo num ritmo acelerado. Aquela moça era muito mais bonita quando vista de pertinho, mais do que imaginara ao vê-la numa distancia de quinze metros. Mesmo depois de respirar profundamente varias vezes, o seu coração ainda estava palpitando. Dando de ombros buscou se acalmar, precisava ser pratico e fugir dos devaneios para pensar no que faria com seu tempo ocioso até à noite, onde por certo encontraria Jumi.
A chuva continuava maltratando quem ousava se expor, o vento estava cada vez mais forte e as ruas desertas. Sem recursos financeiros mais disponíveis, não haveria nenhum lugar agradável para onde Urando seguisse e deixasse o tempo passar de maneira agradável. Andou rapidamente todo encolhido até a loja de comidas rápidas, pegou uma caixa de carne de avestruz assada, um saco de pipoca, duas garrafas de cerveja. Olhou discretamente a portaria do prédio vizinho e subiu para seu apartamento murmurando repetidamente “Morga”, com ar de felicidade repentina refletida no semblante.
Enquanto observava a chuva pela janela e comia pipoca, abriu uma cerveja e viu Morga passeando nervosa de um lado para o outro falando num comunicador de bolso. Estava enrolada numa toalha, cabelos molhados e se movimentava com sensualidade embora não demonstrasse ter essa intenção. Logo lhe veio uma onda de realidade que sua pouca experiência de vida parecia ter menosprezado. Aquela bela mulher não se interessaria por ele, um fedelho que nem conseguia sustentar a própria existência de maneira satisfatória. Mesmo assim, estava feliz, encontrara uma desculpa para aguardar o tempo se tornar mais pródigo.
O rapaz começou a sentir seu corpo incendiar, largou o saco de pipoca no chão, a cerveja sobre a janela e correu para tomar um banho. Ficou por mais de dez minutos naquele banho relaxante e quente, apenas permitindo o próprio corpo clamar por um contato de prazer que lhe parecia inacessível. A chuva não parava, as idéias na cabeça de Urando se multiplicavam e não havia nada para ser feito.
Durante o resto do dia, ele tentou evitar olhar pela janela, mas havia uma atração impossível de ser controlada diante da falta de alternativa para ocupar o tempo. Viu quando a moça deitou para dormir quase despida, quando acordou e preparou uma refeição, foi tomar outro banho, trocar de roupa e sair. Olhou para o relógio, faltavam vinte minutos para as cinco.
Rapidamente saiu do apartamento e correu para tentar forçar um segundo encontro. Alcançou Morga já na rua, ela estava magnífica com um casaco bege cobrindo seu belo corpo, Urando sabia que vestia por baixo um vestido vermelho, mas, não ousou fazer qualquer comentário, apenas acenou para ela que seguiu sorridente na direção da estação de trem.
Mais uma vez insistiu no apartamento 506 e dessa vez escutou a voz de uma mulher querendo saber quem a procurava. Ele se identificou gaguejando, dizendo ser um enviado do professor Lin Ping. Ela imediatamente autorizou a subida dele até sua casa.
O prédio era mais sofisticado do que aquele no qual morava. Os corredores eram mais iluminados e com gravuras nas paredes. Ao saltar no quinto andar, percebeu que do lado impar do corredor havia mais portas do que no lado onde estaria o apartamento de Jumi. Não conseguia entender o motivo disso, mas quando uma mulher negra, de altura mediana, semblante com ar desconfiado e expressão cansada abriu a porta, ele descortinou a diferença. O apartamento era muito maior.
- Em que posso ajudar. – Ela disse sem mandar que ele entrasse.
- O professor me recomendou buscar seu auxilio.
- Não vejo razão para ele ter feito isso...
- Gosto de praticar por prazer um pouco de defesa pessoal. Ele me disse com seu jeito de filosofo, que eu encontraria em você a pessoa certa. – Ela mandou que entrasse com um gesto de cabeça e ele prosseguiu na explicação. – Fui criado no orfanato da Satter e a cidade para mim é uma coisa muito estranha.
- Aceita um chá? – Ela perguntou acenando para ele segui-la até a cozinha.
Ele olhou em volta e viu que realmente o apartamento era bem maior, um quarto com sanitário, sala e cozinha. Era decorado com requinte e bom gosto, embora nada luxuoso. Ela colocou água fervendo em duas xícaras e um saquinho de ervas. Se voltou repentinamente fitando o rapaz.
- Não estou querendo me livrar de você, mas não tenho tempo para dar aulas. – Ela entregou uma xícara para Urando. – Tenho vinte nove anos, quase perdi o limite de idade para promoção, estou me preparando para fazer graduação de alto comando na polícia, estudo seis horas e trabalho outras seis, não posso esquecer que ainda tenho de arrumar um tempo para descansar.
- Eu entendo! – Urando suspirou de olhos baixos grudados na xícara.
- No entanto, gostei de você, acho que posso combinar um ou dois treinos por semana, me fará companhia na programação de preparação e condicionamento. – Ela sorriu. –Meu pai mandou você, eu tenho de procurar não decepcioná-lo.
- Seu pai...? – Urando não acreditava no que escutava embora os olhos dela fossem parecidos.
- Meu nome é Jumi Ping. – Ela gargalhou diante do espanto do rapaz.
- Por essa eu não esperava!
Eles combinaram para o dia seguinte, uma experiência logo cedo, aproveitariam para combinar como seriam os treinos. O rapaz bebeu o que restava do chá e disse que não incomodaria mais. Ela o acompanhou até a porta. Antes de sair, ele se voltou com ar de duvida.
- Posso lhe perguntar uma coisa?
- Claro! – Ela sorriu.
- Conhece uma moça chamada Morga?
- Do 2831, moça discreta. – Jumi maneou a cabeça. – Não a conheço, apenas lhe socorri uma vez no elevador, desfaleceu sem motivos aparentes, eu a levei pra casa. Acho que trabalha no período noturno.
- Muito obrigado!
O rapaz apertou a mão de Jumi e se encaminhou lentamente para o elevador. Ao apertar o botão de chamada, olhou para a porta do apartamento de onde saíra e viu que continuava sendo observado por aquela mulher negra e esbelta que trabalhava na polícia, filha de um chinês adorável e cheio de mistérios. Acenou e entrou no elevador.
Para Urando, a sua chegada na cidade havia sido muito diferente do que poderia imaginar. As surpresas se acumulavam e em breve, teria muito para contar aos amigos quando chegasse o grande momento de encontrá-los. Ele jamais poderia saber que o redemoinho da vida estava apenas começando.