domingo, 25 de maio de 2008

Capítulo 04

Capítulo 04

O aniversário de uma pessoa no orfanato nunca era comemorado, apenas os amigos se abraçavam e logo esqueciam, mas aos dezoito anos a comemoração que eles sonhavam seria pela nova vida que os aguardava, mas os três estavam deprimidos e aquela data incomum, passaria por eles sem alegria, já estariam definitivamente separados. Estavam sendo encaminhados para os empregos antes do esperado.
Assim que os amigos partiram no dia seguinte, Urando tentou conter sua tristeza e solidão. Dentro de dois dias também estaria partindo, a diretora mandara avisar que o esperava para uma última conversa e entregar o seu cartão de apresentação e encaminhamento. Trabalharia na manutenção da Ferrovia Urbana, seria um pesadelo para infernizar sua vida já que sentia uma completa antipatia pelo local.
Seu sonho seria trabalhar com o controle de trafego, bem perto dos computadores que organizavam os deslocamentos dos expressos. No entanto, esse desejo estava reprimido, foi obrigado a arriscar seu futuro para salvar os amigos de uma atividade indigna. Talvez fosse melhor não aceitar o emprego e tentar por conta própria uma atividade que fosse gratificante, mas o mundo não perdoava os órfãos e dificultava o acesso aos que não possuíam uma especialização e recomendações escolares.
Na véspera da sua partida para o mundo lá fora, Urando sentia-se amargurado, sem os amigos e destinado para uma tarefa que não lhe empolgava. Como andava inativo, resolveu dar um passeio pelas proximidades da cidade satélite onde vivera até aquele momento. Não lhe permitiriam uma saída e por isso, teria de fazer sua última travessura, fugiria logo depois do almoço e só retornaria para o jantar.
Mesmo antes do almoço, a idéia de caminhar sem direção pelas ruas simétricas da cidade satélite, se mostrou inadequada, sem a companhia dos amigos não haveria a menor graça. Não possuía dinheiro já que até as diversões eram pagas com o cartão de identificação do orfanato e já estava sem créditos. Seria melhor aproveitar para andar pelo jardim, conversar um pouco com quem encontrasse e depois aguardar o momento da partida.
Como não queria se mostrar infeliz saiu do refeitório logo que acabou de comer e foi vagar sem destino pelo jardim, onde alguns professores costumavam passar o tempo de descanso. Na verdade, pretendia encontrar com Lin Ping, um chinês velho que ensinava defesa pessoal, gostava de ouvir as frases filosóficas cheias cautela e com objetivos prudentes que acalmavam o espírito. O encontrou sob uma arvore, lendo um livro de poemas acomodado num banco de cimento.
- Boa tarde, professor! – Disse enquanto sentava ao lado do velho.
- Esqueça suas aflições, vai conseguir encontrar o próprio caminho! – ele disse sem retirar os olhos do livro.
- Pareço aflito? – Indagou o rapaz.
- Sempre se fica aflito quando estamos prestes a fazer uma alteração nos rumos da vida. - O velho suspirou e sorriu. – Pense que a mudança é sempre renovadora e estimulante. Pena que estou velho demais para tudo isso, minha cabeça já não tem força para mudar.
- Vou sentir saudade de escutar suas palavras. – Disse Urando olhando em volta.
- Não devia lhe dizer, mas acho que ninguém vai escutar. – Ele fechou o livro. – Quando chegar à cidade tenha cuidado com as pessoas, elas podem não ser exatamente o que aparentam, são diferentes de tudo que conheceu até agora.
- Gostaria muito de continuar com as aulas de defesa pessoal...
- Eu não posso, tenho um contrato com a corporação. – O velho o interrompeu com ar pensativo. – Vou lhe dar o endereço de alguém que poderá ajudar.
Pegando uma caneta no bolso, escreveu o endereço e o nome da pessoa num pedaço de papel da embalagem de um chocolate. – Agora terá de pagar por tudo, o seu salário deve ser cuidadosamente planejado ou faltará dinheiro no bolso até para comer. Boa sorte!
O velho voltou a ler o livro enquanto Urando contemplava na mão o endereço. O nome da pessoa era estranho, Jumi, podia ser homem ou mulher, pensou em indagar, mas estava claro que o velho professor encerrara a conversa. Olhou para o comunicador do professor que estava no banco, deu um longo suspiro e foi continuar seu passeio.
Caminhou por entre as arvores sentindo que aquele mundo já não lhe pertencia. Nunca sentia falta de não ter conhecido sua mãe, coisa que seu amigo Bernardo vivia lamentando. Parou junto da cerca que separava o jardim onde as crianças pequenas costumavam brincar. A melancolia devia ser superada, afinal de contas um dia poderia começar a ser dono de sua própria vida, bastaria agir com cautela e não se portar como aquelas criaturas adoráveis e sem decisão, que viviam inocentes correndo de um lado para o outro naquele jardim cheio de brinquedos. Só agora percebia que a vida se tornara coisa seria.
Ao retornar para seu alojamento, sentia um grande vazio na alma, o silêncio a sua volta era quase total, os órfãos mais jovens que ainda permaneceriam por mais algum tempo na entidade, já haviam partido para a colônia de férias, os que esperavam encaminhamento profissional, sentiam a pressão os esmagando e se trancavam estudando na biblioteca ou nos alojamentos.
Na hora do jantar, pouco mais de uma dúzia de pessoas apareceram, quase todas se cumprimentavam timidamente com receio de infringir algum regulamento desconhecido. Não pretendiam estragar as suas vidas correndo riscos no momento final já que em breve poderiam ser livres e caminhar pelas ruas da grande cidade onde deveriam trabalhar.
As ultimas horas eram mais longas, pareciam infindáveis. Adormeceu naquela noite com muita angustia lhe apertando a alma de encontro ao medo, se dando conta de que embora vivesse toda a vida naquele orfanato, quase não conhecia os outros rapazes e moças. Não sentiria saudade deles, apenas seus companheiros de alojamento, Bernardo e Soleno, faria falta. Ao tentar explicar para si mesmo o temor que lhe assaltava o espírito, se permitiu chorar sem restrição, relembrando o tempo de criança, inocente e sem a menor consciência do futuro real.