sexta-feira, 6 de junho de 2008

Capítulo 14

Capítulo 14

Ao entrar no apartamento, quase automaticamente olhou para o relógio de pulso e viu que Morga devia sair para trabalhar dentro de alguns minutos. Foi até a janela e viu que ela realmente estava de saída vestindo uma capa sobre o vestido preto. Ela olhou para ele e acenou se despedindo. Assim que Morga apagou a luz do apartamento, ele se jogou na cama e sorriu da idéia maluca de segui-la para descobrir onde trabalhava.
Estava intrigado, mesmo sem admitir, já não acreditava ser capaz de deixar de lado o desaparecimento de Bernardo. Por alguns minutos reviveu a sua visita ao Bar Lamento, imaginado o que tanto atraia uma pessoa na conversa com um autômato. Talvez Bernardo já estivesse de volta em casa ou conseguisse uma pista fazendo uma nova visita naquela noite ao seu apartamento.
Caso o amigo ainda estivesse desaparecido, aproveitaria para conhecer os atrativos dos autômatos do Bar Lamento já que Lin Ping recomendara seguir os passos costumeiros do investigado.
Pouco depois das oito da noite, trocou de roupa e já ia saindo quando lembrou de consultar seu saldo bancário. Depois de passar o cartão no leitor do terminal domestico, se assustou com o valor que apareceu, apenas setenta e dois créditos. Realmente era um trabalhador medíocre, ganhava muito pouco.
Rapidamente fez as contas. Precisava de quarenta créditos para comprar o comunicador abrangente para falar com outras cidades, mais vinte para alimentação até receber o próximo pagamento, lhe sobraria doze créditos. Meia hora de Lamento lhe custaria quinze, seria impossível pensar em ficar sem comer, poderia deixar para comprar o comunicador na outra semana, mas talvez não valesse a pena ter pressa. Seria mais prudente não ser precipitado.
Voltou para a cama e se jogou nos cálculos mentais, refazendo várias vezes as contas para ver como poderia economizar. Estava mais do que claro que daria prioridade ao comunicador, deixaria o Bar Lamento de lado o resto da semana. As suas investigações não deveriam se tornar um problema financeiro, sairia naquela noite apenas para tentar ver se seu amigo já estava de volta ao apartamento.
Dando um longo suspiro, Urando bateu palmas e pulou da cama e saiu do apartamento decidido. Antes de chegar à estação, começou a chover fininho embora ventasse pouco o céu estava coberto de nuvens escuras, relampejou e o ronco de um trovão veio logo em seguida.
Quando chegou diante do prédio onde o amigo Bernardo morava olhou em volta, a rua começava a ficar completamente deserta, as pessoas estavam sendo alertadas pelo anuncio luminoso de que uma tempestade se aproximava. Depois de acionar o botão de chamada da casa de Bernardo, procurou o porteiro que de má vontade informou que tudo permanecera como da última vez.
- Pergunte para aquela moça. –O porteiro apontou uma moça que estava chegando. - Ela trabalha no mesmo local do seu amigo
Assustada ao ser abordada repentinamente por Urando, a moça ficou desconfiada, mas ao saber do que se tratava, disse que Bernardo não havia aparecido para trabalhar nos últimos dias. Sem prolongar a conversa entrou no prédio. Ao passar pela porta deu alguns passos e antes da porta se fechar, retornou apressada falando como quem lembra de algo importante.
- Talvez seja importante! Na última vez que vi Bernardo, ele estava no Bar Lamento da praça Central, no dia seguinte já havia desaparecido.
Urando agradeceu e ficou na chuva tentando imaginar o que poderia ter acontecido ao seu amigo. Se apressou em voltar para casa já que a chuva começava a engrossar. No trem, resolveu que no dia seguinte voltaria realmente ao Bar Lamento, precisava começar a traçar uma estratégia de investigação já que não poderia chegar perguntando por Bernardo. Deveria ter um meio de obter ajuda.
Durante toda a madrugada, desabou uma tempestade sobre a cidade. Pela manhã ainda chovia muito quando viu que Morga já estava em casa. Só lhe restava dois dias de folga e poderia aproveitar para namorar e também investigar o desaparecimento do amigo. A moça ao ver o rapaz na janela acenou o convidando, ele não perdeu tempo e saiu apressado ao seu encontro.
Depois de fazer amor, Morga adormeceu profundamente, estava exausta. Ele lhe beijou na testa e voltou para casa para trocar de roupa, precisava sair para comprar o seu comunicador numa loja que ficava no fim da quadra. Ao entrar no seu prédio, viu que todo o seu grupo de trabalho estava reunido na portaria e seu chefe lhe acenava nervosamente.
- Rápido! – Gritou Genaro. – Só faltava você, é o único que não tem um comunicador de bolso. Vamos ter de interromper nossa folga. O setor Leste da estação central sofreu danos sérios com essa chuva. Quero todos aqui em vinte minutos, troquem de roupa agora!
- Não é nossa área... – protestou um dos colegas de trabalho de Urando.
- O setor é coberto por autômatos reparadores! – Disse um outro.
- A cidade vai se tornar um caos completo. Os autômatos entraram em pane geral, apenas os reparadores de estrutura estão funcionando. – Explicou Genaro nervoso. – Chega de conversa fiada! Estaremos lá em meia hora.
Todos se apressaram para trocar de roupa e quando chegaram na Estação Central, foram encaminhados para um grande salão onde encontram mais de cem pessoas aguardando. Por algum tempo se entreolham com ar de interrogação, não sabiam o que realmente estava acontecendo, mas logo entra uma mulher muito alta e elegante junto com um homem gordo, que bate palmas solicitando a atenção de todos.
- Agradecemos a presença de todos! – Disse a mulher no microfone. – Sou Marvia, diretora de Operação de Tráfego e ao meu lado o senhor Hugo, diretor de Manutenção vai expor o problema e como deve ser solucionado.
Urando ficou encantado, Marvia era uma mulher muito bonita e parecia determinada em se mostrar calma. Sorriu ao pensar que o mundo estava sendo dominado pelas mulheres, por onde passava se deparava com uma delas em postos de alto comando. Deu de ombros ao escutar novamente a voz da diretora de operações.
- Todos já conhecem de nome o senhor Hugo que vai ser bem objetivo. – Ela passou o microfone ao homem gordo.
- Peço que prestem muita atenção. Não podemos perder mais tempo com essa catástrofe! – Hugo falava lentamente com um sotaque estranho, puxando nos esses. – Esse setor Leste, foi prejudicado por fortes infiltrações e os autômatos reparadores foram atingidos. Interrompemos a operação de trafego por três horas, isso quer dizer que teremos de fazer todo o serviço em pouco mais de uma hora. Nenhum de vocês conhece o setor, mas para compensar essa deficiência, será distribuído na saída um LSO, Localizador Setorial de Operação, um aparelho com todos os mapas dos túneis Leste. – ele tossiu duas vezes e continuou. – Fiquem com todos os sentidos em alerta para os perigos do setor, por ser o mais antigo, possui túneis desativados e podem se deparar com ratazanas bem criadas e ferozes, por isso aconselho que não esqueçam de pegar as pistolas magnéticas. Vamos ao trabalho.
Imediatamente os trabalhadores começaram a deixar o salão onde eram distribuídos por grupos para inspecionar trechos definidos. O grupo de Genaro, durante quarenta minutos caminhou se orientando com muito cuidado pelos túneis desconhecidos e escuros, não havia qualquer tipo de iluminação de serviço por ser um local onde nenhum homem precisava passar em situações normais.
Urando detestava aquele trabalho, os túneis eram para ele um suplicio, mas precisava se manter na vida e aguardaria uma oportunidade futura para saltar dessa barca de agonia. Depois de fazer o reparo de mais de duzentos metros de trilho magnético danificado, o grupo já se preparava para regressar ao pátio da estação quando um dos trabalhadores foi atacado por mais de uma dezena de ratos imensos. Eles atiraram quase ao mesmo tempo, mas não conseguiram evitar que o colega ficasse bastante ferido.
Ao chegar em casa naquela noite, Urando foi tomar um banho, para tentar se acalmar, o ataque dos ratos o havia impressionado de maneira muito forte. A sacola de ferramentas lhe pesava no ombro, lembrou que havia esquecido de devolver o LSO e a pistola quando deixou o serviço, na pressa em socorrer o colega ferido. Não havia sido necessário para eles consultarem os mapas, e por isso nem lembrara mais do equipamento.
Depois do banho, viu pela janela que a chuva voltou a cair de maneira muito intensa. Se espreguiçou caindo na cama. Sentia-se exausto e precisava dormir, mesmo de estomago vazio, não conseguia pensar em algo melhor para fazer, adormeceu rapidamente e só acordou quase na hora do almoço.
Ainda lhe restaria algum tempo de folga, olhou pela janela e viu que Morga estava em casa, mas adormecida. Aproveitaria para comprar o seu comunicador de bolso e depois passaria mais uma vez no Bar Lamento, precisava esquecer o deslumbramento e conhecer melhor o local para tentar encontrar alguma pista que o ajudasse na localização de Bernardo.
Sua curiosidade repentinamente o levou a pegar na sacola o LSO, começou a manusear. Os mapas surgiam precisos numa tela pequena do equipamento e logo já estava completamente dominando o manuseio. Inclusive, havia um sinal pulsante de localização do operador e outro que podia ser definido. Os mapas eram ótimos, inclusive indicava com precisão as construções sobre os túneis. Navegando aleatoriamente por um setor desativado, sorriu ao ver que passava sob o famoso Bar Lamento da praça Central.
Quando a chuva diminuiu de intensidade, Urando saiu, mas não pretendia seguir seu plano original, deixaria para comprar o comunicador de bolso na outra semana, agora, sentia que precisava visitar o Bar Lamento. O sentimento de desconfiança intuitiva lhe impulsionava nessa direção por acreditar que algo poderia ter ocorrido com seu amigo naquele local.
Enquanto estava no trem, não poderia explicar para si mesmo aquela fixação por uma pista tão débil, mas como seu velho professor lhe dissera, precisava ficar muito atento, as pessoas nem sempre são o que parecem nem os locais necessariamente se mostram seguros para todos. Sua intuição era muito forte, algo naquele bar lhe deixara angustiado e com a nítida imagem de que todos eram falsos. Seria melhor dizer que todas eram falsas, já que não notara qualquer homem trabalhando por ali.
Ao entrar no Bar Lamento, ficou algum tempo em frente do balcão de recepção, mas uma mocinha lhe sorriu e disse que ele já era freguês, podia entrar que alguém o atenderia imediatamente. Ele olhou para ela desconfiado, mas logo a moça apontou para uma luminária sobre a porta giratória.
- Quando um freguês entra aqui pela primeira vez, acende uma luz azul, se ele já foi atendido, a luz é verde.
Urando deu de ombros e passou pela grande porta de vidro que se abria em duas bandas, realmente uma moça vestida de vermelho veio ao seu encontro e o encaminhou para as mesas azuis.
- Obrigado! – ele agradeceu olhando em volta. – Primeiro vou andar pelo bar, gosto de conhecer onde estou.
- Quando desejar alguma coisa, já sabe como proceder. – A moça sorriu e desapareceu ao lado do balcão de serviço.
Ele pretendia beber uma cerveja mais tarde, no entanto, naquele momento estava mais interessado em ver de perto as mesas dos autômatos que escutavam lamentos. Ao descer os dois degraus que separavam os ambientes, notou que não observara na primeira vez que esteve por ali, que havia também um terceiro salão com jogos eletrônicos. Não conseguia ver um único homem trabalhando, os que circulavam eram clientes.
Entre as salas havia sempre um pequeno corredor com uma porta de metal brilhante, onde estavam os sanitários. Urando sorriu de si mesmo, só agora estava livre do encantamento que o local proporciona e podia ver coisas que passaram despercebidas. O ambiente destinado ao desabafo dos clientes possuía uma segunda divisão, um mezanino todo em vidro escuro no alto de uma escada com doze degraus, onde duas mulheres pareciam montar guarda.
Ele olhou dissimuladamente para o teto, viu que havia um circuito de vigilância interna muito bem distribuído. Fingindo apenas curiosidade de cliente, se aproximou da escada e logo apareceu uma mulher vestida de vermelho. Ele a olhou e tentou subir, mas foi delicadamente contido pela moça que indicou com a mão as outras mesas vazias.
- Queria perdoar, mas esse local é restrito para clientes especiais.
- Como posso me tornar um cliente especial? – Indagou Urando observando que uma esfera no corrimão da escada girava lentamente com uma câmera de circuito interno.
- O senhor vai descobrir... – ela levou instintivamente a mão ao ouvido direito pressionando o ponto eletrônico de comunicação. – Um momento, sangue bom! – ela pediu para Urando que começara a se afastar abrindo um sorriso muito simpático. – Se me acompanhar, vai se tornar um cliente especial.
Dando de ombros, ele acompanhou a moça observando com muita atenção por onde estava seguindo. Ela o levou para o corredor que ficava entre o ambiente dos jogos e das mesas brancas. Só nesse momento, Urando percebeu que havia uma segunda porta de vidro muito larga com um botão de chamada ao lado. Enquanto aguardava, olhou para o salão e viu a diretora do orfanato conversando com uma outra moça de vermelho.
- Por aqui senhor! – disse a sua guia. – O elevador chegou.
Antes de entrar no elevador, ele viu que havia no chão uma tampa redonda com trava magnética ao lado do símbolo da Satter, de onde emanava um vento suave e quente. A mocinha disse o andar que desejava.
- Nono. – Imediatamente a porta se fechou e começaram a subir. Em poucos segundos a porta abriu novamente. – Chegamos!
Urando havia contado os andares no painel luminoso de indicação, eram apenas dez embora olhando pelo lado de fora, a impressão era de pelo menos o dobro. Saíram num corredor muito largo de paredes forradas de vermelho e piso negro. Passaram por meia dúzia de portas e finalmente a mocinha abriu uma.
- Siga em frente, Doutora Vindara lhe aguarda! – Ela fechou a porta assim que Urando a ultrapassou.
Urando olhou em volta, aquela sala era magnífica, parecia que havia voltado no tempo e penetrara numa das gravuras que vira certa vez num livro do século dezoito. Havia um som de uma cascata que não sabia de onde estava vindo. Maravilhado passou por entre aqueles objetos artísticos com ar de quem sente medo de danificar algo, caminhou lentamente pisando com cuidado no tapete colorido embora discreto. A porta com o nome da doutora estava bem a sua frente.
- Queira sentar meu jovem! – Disse uma senhora aparentando ter pouco mais de sessenta nos. – Nossas meninas são ainda incipientes, por isso não se aborreça.
- Não estou aborrecido! – Disse Urando olhando em volta. – Decoração estranha!
- Século dezoito! – Ela sorriu. – São apenas copias bem feitas de mobília, obras de artes... enfim..., uma decoração. – Ela se voltou para um computador. – O seu comportamento me pareceu estranho, por causa disso, lhe convidei.
- Estranho...? – Indagou o rapaz desconfiado.
- Fica sempre olhando tudo com muita insistência. – ela suspirou. - O que está realmente procurando?
- Um amigo!
- Você trabalha na Manutenção de transportes Urbanos?
- Uma porcaria de trabalho! – Disse Urando com desdém.
- Veio ao lugar certo, nossos autômatos se tornam amigos depois de algum tempo, precisa experimentar. – ela olhou para a tela e sorriu novamente. – Foi bom ter falado a verdade, se mentisse, eu saberia. Vou providenciar sua liberação para a sala especial.
Ela teclou varias vezes alguns números em seguida se voltou para Urando e ficou com ar pensativo. Ele por sua vez, já estava ficando preocupado, sentia-se investigado e diante de uma velhinha simpática que parecia não ter medo de nada. Repentinamente ele levantou-se.
- Se eu fosse um doente mental, um desajustado a senhora corria perigo por me receber!
- Não acredite na minha aparência frágil, sei me defender muito bem! – Ela também se levantou. - Seu credito está baixo, mas eu lhe ofereço meia hora como experiência, aproveite e desabafe suas magoas e frustrações. Agora você é um cliente especial.
- Para utilizar...?
- Reservei uma mesa no setor privado, uma de nossas atendentes fará o programa inicial e já está lhe aguardando. – ela segurou suavemente o braço do rapaz e o encaminhou até a porta. – Seja bem vindo ao Bar Lamento.
Assim que chegou no andar térreo, uma moça de vermelho indicou a sala dos clientes especiais. Urando subiu os doze degraus lentamente encarando a esfera do corrimão que girava como um olho eletrônico. A porta abriu-se ao entrar na área de sensibilidade do equipamento automático. Uma outra moça se aproximou lhe sorrindo e o levou para perto de uma mesa semelhante as que havia embaixo, mas a luz central era vermelha.
- Vamos fazer o seu programa especial em pouco mais de trinta segundos. – Disse a moça com voz doce e sedutora. – Sou Dami, programadora encarregada de preparar seu amigo virtual.
- O que é um amigo virtual? – Indagou o rapaz.
- O autômato terá as feições que desejar. – Ela começou a ligar o autômato. – Esse é um privilegio, só quem está nessa sala o desfruta sem acréscimo no preço. – a moça digitou num pequeno teclado de bolso alguns comandos e depois entregou óculos especiais para Urando. – Pense no rosto da pessoa e eu faço os ajustes possíveis.
Não esperou muito, cerca de vinte segundos depois, a única imagem que veio na mente de Urando, foi o rosto de Bernardo. A moça tocou a sua mão e retirou os óculos, em seguida desligou o teclado e sorriu satisfeita.
- Foi fácil, o seu amigo também foi... – ela mordeu os lábios. – É um cliente especial. Pode ligar quando desejar.
Assim que a moça se afastou, Urando ligou a máquina, mas estava muito desconfiado. Numa pequena tela localizada na face do autômato, viu as feições de Bernardo se formando rapidamente. Tudo estava se tornando suspeito, a moça quase afirmou que Bernardo não existia mais, no entanto, precisava ter cautela, sabia que a imaginação e a ansiedade por descobrir pistas do amigo, seriam atrações para pistas falsas.
Ele não sentia nenhuma vontade de conversar com aquela engenhoca virtual, mesmo que o rosto do amigo se apresentasse de maneira virtual, não lhe causava a sensação de realidade. Sabia que estava sendo vigiado, não foi por achar que a sua simpatia era merecedora de um presente que a doutora Vindara lhe oferecera sem qualquer custo meia hora de lamentação. Precisava ser esperto e dizer o que geralmente se diz quando se procura uma alternativa daquela.
Começou a falar da sua frustração no emprego, lamentou a mediocridade do serviço e a solidão que todos viviam na cidade. De certa maneira, copiava o desabafo que Bernardo lhe fizera no último encontro. Foi necessária muita concentração para não se portar como um idiota completo, embora sentisse essa sensação quando saiu do Bar Lamento.
Estava quase na hora do trabalho de Morga, ela já deveria ter saído, por isso não adiantava se apressar. No dia seguinte, estaria com seu tempo reduzido, teria de acordar muito cedo e só chegaria em casa quando a namorada estaria adormecida. Na estação, quando o trem chegou, viu passar distante uma moça que lhe lembrou Morga, vestida como todas as que encontrara trabalhando no Bar Lamento, devia ter se enganado.
Sentou-se num lugar vazio e sorriu para si mesmo. Já estava vendo sua amada em todos os lugares, isso seria um sinal de que seu coração começava a se encantar totalmente. Não adiantava esconder de ninguém, seu semblante o denunciaria, a paixão refletia a todo o momento e ele sabia que era correspondido. Suspirou olhando seu reflexo no vidro da janela do trem.
Em casa, sentou-se no peitoril da janela e tentou ver o céu. Apenas conseguia ver nuvens cinzentas no pequeno espaço disponível. Ao ver sua sacola de trabalho, lembrou do LSO, se apressou em pegá-lo. Ficou por algum tempo consultando os mapas e se fixou no setor leste. O túnel 32 passava por baixo do Bar Lamento, era muito antigo e possuía ainda os dutos de ventilação.
Consultou a legenda e viu que a tampa de entrada para manutenção era circular, exatamente idêntica ao que havia no piso de entrada do elevador. Sua memória era fotográfica e lembrou de um detalhe pequeno, um numero junto da trava, estava um pouco danificado, mas podia jurar se tratar de um algarismo de três dígitos. O primeiro era 1, o segundo estava impreciso, podia ser 6 ou 8, o terceiro era zero.
Consultou rapidamente a listagem dos dutos do túnel 32, eram exatamente 259 ao todo. Arriscaria verificar no numero 160 ou 180. Tentou encontrar a localização de cada um deles, mas o acesso foi negado, era parte de um arquivo morto. Cansado e faminto, resolveu descer até uma lanchonete próxima e depois voltaria para a cama já que a chuva havia engrossado novamente.