quinta-feira, 5 de junho de 2008

Capítulo 13

Capítulo 13

Como haviam combinado, no dia seguinte, ele e Morga foram passear pela cidade que ainda era muito estranha para quem viveu no orfanato. Ela havia tirado o dia inteiro de folga para ficar ao seu lado. Mesmo com a satisfação de ter a mulher de seus desejos com total disponibilidade, seu coração andava apertado e vez por outra sentia o estomago doer e seu coração disparar ao lembrar de Bernardo. Por varias vezes deteve as palavras entre os dentes evitando contar suas preocupações, não pretendia corromper a felicidade que estava vivendo.
Ao retornarem para casa, assim que entrou no elevador ele disse que passaria no apartamento de Jumi e em seguida estaria chegando na casa de Morga. Ela fez uma careta de desdém dando de ombros ao vê-lo saltar no quinto andar, continuou no elevador dizendo que ao rapaz que não se demorasse muito.
Jumi recebeu Urando vestida para sair, estava com duas malas arrumadas junto da porta. A conversa foi breve, não encontrara qualquer significado para aqueles caracteres estranhos na embalagem do remédio que Urando trouxera da casa de Morga.
- Pode ficar descansado, não se trata de uma das drogas de viciados. – ela pegou a embalagem que estava sobre a mesa. – Se deixar comigo, farei uma pesquisa mais aprofundada.
- Pode ficar! – Ele coçou a cabeça. – Como a polícia consegue descobrir uma pessoa desaparecida?
- Só se considera uma pessoa desaparecida quando encontramos algo suspeito, mas nunca é investigado de fato. – Ela olhou em volta. - As pessoas numa cidade grande costumam desaparecer para evitar um problema, mudam de sexo, fazem cirurgias remodeladoras e por aí vai. – Ela se aproximou de Urando o encarando fixamente. – Quem desapareceu?
- Meu amigo Bernardo! – Ele exclamou em voz baixa.
- Não posso ajudar muito já que estou de partida, mas se descobrir algo que eu precise saber, me procure imediatamente. – Ela coçou o olho. – Precisa comprar um comunicador portátil!
- Vou esperar uns dois dias, talvez volte amanhã na casa dele.
- Isso é muito prudente, tente achar os passos dele na véspera ao desaparecimento, lugares que costumava freqüentar. – Ela abraçou Urando e estalou os dedos fazendo uma expressão de quem teve uma idéia. – Não se meta em confusão, aproveite que papai vem aqui amanhã para atualizar seu cadastro de aposentadoria e converse com ele sobre isso tudo.
Naquela noite Urando não conseguiu dormir muito, por um bom tempo permaneceu olhando o escuro a sua volta sentindo sua intuição lhe dizer que algo acontecera ao amigo e não seria fácil localizá-lo. Morga ao seu lado suspirava adormecida, feliz da vida depois de inúmeros orgasmos surpreendentes.
Pela manhã, depois de comer o desjejum ao lado de Morga, a convidou para um passeio, ela disse que teria de fazer algumas coisas em casa, mas combinaram almoçar num restaurante próximo. O rapaz desceu o elevador pensando em trocar de roupa e fazer alguns exercícios no ginásio de esportes, na portaria do prédio encontrou com Lin Ping que ao vê-lo gritou seu nome abrindo os braços. Eles se abraçaram e Urando se ofereceu para ir com o velho professor até a central de cadastro do Departamento de Previdência já que ele não gostava de andar pela cidade.
- Tenho a síndrome do aposentado! – Lin Ping sorriu e se aproximou mais do rapaz para falar com mais intimidade. - Desde que me aposentei, a cidade ficou insuportável, foi por causa disso que aceitei o emprego no orfanato. – Disse olhando em volta. – Nessa droga de vida agitada da cidade tem muita gente apressada, pouco se importam com as outras.
- Vou trocar de roupa e nos encontramos em meia hora aqui na frente do prédio. – Disse Urando alegre por rever o velho mestre.
Urando foi até a sua casa, trocou de roupa rapidamente e voltou para se encontrar com Lin Ping. Eles caminharam sem pressa apenas um quarteirão até chegar diante de um prédio imponente com a fachada toda revestida de vidro amarelo, onde funcionava o Departamento de Previdência. Em meia hora já estavam novamente na rua, o velho notou que o rapaz estava angustiado.
- Tem algo pra conversar? – Indagou de maneira delicada.
- Acho que sim! – Disse o rapaz respirando profundamente.
- Vamos sentar num banco daquela praça e você me conta tudo!
Com muita paciência e em silêncio, o velho escutou o rapaz lhe contar sobre o desaparecimento de Bernardo. Depois de contar para Urando que havia sido policial por mais de trinta anos pediu que lhe fornecesse mais informações sobre os hábitos de Bernardo depois que veio para a cidade.
- Sei pouco! – Urando lamentou. – Ele andava deprimido, mas não se mataria mesmo sentindo a solidão lhe atormentando. Acredito que não deixaria de me consultar já que no dia seguinte ao seu desaparecimento estávamos com um encontro agendado.
- Tente lembrar de algum lugar que costumava freqüentar, que tenha lhe dito no ultimo encontro. – Disse Lin Ping coçando o queixo.
- Ele só me falou que ia quase todo dia ao Bar Lamento. – Disse o rapaz depois de pensar por alguns segundos.
- Bar Lamento... – o velho suspirou. – Foi lá que conheci Raina, a mãe de Jumi.
- O que é mesmo esse bar?
- Um lugar envolvente, para pessoas solitárias. – Lin Ping suspirou novamente. – Pouco antes dos anos 40, isso já tem mais de trinta anos, um tal de Ferna Silveira construiu o bar na praça central em forma de uma bandeja com um copo, fez logo muito sucesso. As pessoas se encantaram com a possibilidade de terem com quem desabafar, mesmo que fossem autômatos que apenas escutavam. Dois anos depois, ele vendeu para duas mulheres esse bar e a rede começou a ser criada. Elas espalharam outros bares pela cidade. Hoje são poderosas, influenciam até no governo.
- O que fazia sua mulher nesse bar?
- Ela era recepcionista, maravilhosa, linda e frágil, mas lutava como poucos homens são capazes. Fomos felizes por três anos apenas – O velho sorriu ao lembrar. – Pena que morreu pouco depois de Jumi nascer.
- Vamos passar por lá? – Perguntou o rapaz com sua curiosidade aguçada.
- Nunca mais entrei num deles, vou voltar agora para o orfanato, não suporto essa cidade. – Lin Ping levantou-se. – Foi bom ver você.
O velho apertou a mão de Urando e se apressou na direção da estação de trem. As suas lembranças eram serpentes venenosas no coração. Depois que o velho amigo desapareceu nas escadarias da estação, Urando retomou o caminho de casa tentando organizar as informações na sua mente.
Ao se encontrar com Morga, lhe passou pela cabeça contar a conversa que acabara de ter com Lin Ping, mas aquele assunto não lhe dizia respeito e pela maneira como o velho se mostrara sensível, não seria ele que devia comentar o assunto com outras pessoas. Almoçaram e retornaram para o apartamento da moça que disse sentir uma sonolência muito grande e que teria de descansar para trabalhar naquela noite. Ele a deixou e resolveu ir até o Bar Lamento da praça Central.
Ao chegar diante do bar, ainda não sabia o que faria, olhou em volta e viu que muitas pessoas entravam e saiam. O prédio era magnífico, em forma de cilindro sobre um quadrado de vidro escuro com muitas plantas em jardineiras que pareciam flutuar no ar espalhadas aleatoriamente pelos andares. Realmente o professor Lin Ping estava certo, aquela construção lembrava mesmo um copo de vidro numa bandeja. Uma escadaria larga de cinco degraus levava até uma porta giratória de entrada ao lado de uma outra para saída.
Ele respirou fundo entrando no Bar Lamento, com o semblante que demonstrava estar cheio de curiosidade. Seus olhos maravilhados não acreditavam no que estava vendo. Depois de uma parede de vidro com uma porta larga que corria em duas bandas para os lados, havia um amplo salão com muitas mesas, todas feitas de uma fibra transparente com luzes azuladas embutidas ao centro. Junto à porta, num balcão do mesmo material e com luzes amarelas, quatro moças elegantes e bonitas atendiam e encaminhavam os clientes.
- Cliente novo? – Indagou uma das moças do balcão.
- Minha primeira vez! - Disse Urando gaguejando.
- O jovem deseja uma mesa simples ou quer Lamentar?
- Gostaria de uma mesa simples! – Disse de maneira tímida olhando uma tabela de preços afixada na parede ao fundo do balcão.
A porta de vidro correu e surgiu do nada uma moça, também muito bonita vestida da mesma maneira que as outras, acenando para Urando se aproximar. Enquanto ela o encaminhava, ele pensava no preço de quinze créditos por uma lamentação, era muito caro e seu amigo Bernardo devia gastar quase todo o salário ali naquele bar. A moça indicou uma mesa azul próxima de um balcão de serviço de bar.
- Se mudar de idéia e quiser lamentar, basta chamar uma das moças que circulam e ela o encaminha para uma das mesas brancas. – Ela indicou um conjunto de mesas mais ao fundo, eram semelhantes a que ele estava, mas havia um autômato iluminado pela luz muito alva.
- Muito obrigado! – Ele agradeceu.
- Fique a vontade, sangue bom! Para pedir qualquer coisa, basta passar seu cartão nessa pequena caixa ao lado e ao aparecer uma listagem no painel toque no item que desejar com o dedo. Será atendido imediatamente. – Ela sorriu e se afastou na direção da porta de entrada.
Novamente alguém lhe chamava de “Sangue Bom”, devia ser um tipo de gíria desconhecida. O interessante era a semelhança das roupas das moças, todas vestidas como se estivessem fardadas embora muito elegantes.
O olhar atento do rapaz passou rapidamente a sua volta, as mesas eram ocupadas geralmente por uma única pessoa e todas pareciam demonstrar no semblante um sinal de angustia. Maneando a cabeça, passou o cartão no local indicado e pediu uma cerveja que foi automaticamente cobrada. Num piscar de olhos, uma outra moça se aproximou trazendo a cerveja que colocou sobre a mesa e desapareceu entre as pessoas que circulavam próximas ao balcão de serviço.
Enquanto bebia lentamente, tentava guardar na memória tudo que podia, mais tarde teria de refletir, talvez seu amigo desaparecido tenha encontrado ali algo que ele não conseguia entender. Não restava duvida que o ambiente era acolhedor e excitante, mas não se mostrava perigoso. Depois da terceira cerveja, resolveu voltar pra casa. Estava perdido, não saberia como continuar uma investigação, aquilo não era fácil e teria de pensar com mais calma sobre as possibilidades de sumiço do amigo.