quarta-feira, 11 de junho de 2008

Capítulo 20

Capítulo 20

Por diversas vezes enquanto trabalhava, Urando pensou em ligar para Lin Ping e desmarcar o encontro, mas não conseguia, precisava realmente de ajuda e nem sabia por onde começar a desfazer o nó que apertava sua garganta. Ao terminar o turno foi se encontrar com o velho professor, e quando o viu na porta do box de leitura da estação parou para respirar profundamente e continuou caminhando em passos mais rápidos.
Os dois foram almoçar num restaurante perto do Bar Lamento da praça Central. O silencio era instransponível. O velho parecia ter ficado com a língua grudada nos dentes e o rapaz não conseguia falar de seus medos. Depois que comeram, ficaram por algum tempo andando pelas ruas próximas e finalmente Lin Ping estalou os dedos e disse que deviam conversar no apartamento de Urando.
Quando entraram no apartamento de Urando, Lin Ping olhou em volta e sentou na beira da cama. Permaneceu olhando pela janela com ar pensativo por um bom tempo em seguida pediu para o rapaz lhe mostrar a mensagem gravada da última conversa com Morga. Ele escutou com atenção mais de duas vezes em seguida estalou os dedos.
- Já sei o que vamos fazer! – Ele levantou e foi até a janela. – Antes, preciso que me escute.
- Está certo!
- O medo não pode me impedir de lhe ajudar. – O velho suspirou. – Vou lhe contar coisas que não gosto de lembrar, mas você precisa saber onde se meteu.
- Quero salvar Morga!
- Não acredito que ela esteja em perigo, mas o amor de vocês pode causar muitos problemas. – Ele voltou a sentar na beira da cama. – Eu sei o que estou falando, meu romance com Raina foi tumultuado e misterioso. Como lhe havia dito, ela trabalhava no Bar Lamento na recepção, nos encontramos algumas vezes por mero acaso, depois eu comecei a forçar os encontros. Ela era esquiva, mas começou a se encantar comigo. Morava num dos alojamentos do Bar Lamento, e por isso as dificuldades para encontrá-la eram imensas. Um dia ela se mudou para um prédio grande que ficava na rua Kamoso, num bairro próximo ao centro. Ela me passou o endereço de maneira dissimulada e naquela mesma noite fui visitá-la. Nosso problema estava começando nesse momento de maneira...
O comunicador de Urando vibrou em seu bolso interrompendo o velho professor. Urando o pegou com ar contrariado, ao ver que a chamada era de Jumi, mostrou para o velho professor que o mandou atender. A conversa foi rápida, a moça disse que recebera do laboratório a análise feita com a embalagem vazia que recebera de Urando. Os resultados eram surpreendentes, o material era desconhecido e os resíduos da droga indicavam apenas a presença de Intina, uma substancia para controle cardiovascular ainda em experimentação.
O velho professor coçava o queixo escutando as informações da filha. Quando o rapaz desligou o aparelho, observou que ele estava com o olhar distante, os lábios tremiam e lágrimas brotavam de seus olhos. Ficaram em silêncio por algum tempo até que Lin Ping deu um soco no joelho e suspirou.
- Vou terminar de lhe contar tudo! – Ele enxugou as lágrimas com as mãos. – Sinto que o seu sofrimento me obriga a passar por cima de uma dor antiga. Mais do que nunca, eu sei que não tenho como manter esse segredo. – A sua voz estava rouca. Tossiu duas vezes e continuou. – Por dois anos, eu e Raina enfrentamos tudo, vivíamos como foragidos da lei já que ela entrava em pânico toda vez que me lembrava que possuía um contrato de trabalho que a impedia de ter filhos, poderia ser processada e terminar seus dias na cadeia, no entanto, o amor crescia a cada minuto, sem controle. Nos primeiros meses de nosso relacionamento, lembro de ter visto que se aplicava um remédio desconhecido, tentei descobrir se era algo perigoso, mas ela me afirmou se tragar de medicação para o controle da pressão cardíaca. Quando ficou grávida, eu comemorava e Raina apenas se lamentava e mostrou sua preocupação, teria de fugir do Bar Lamento e ficaria sem remédio, mas me garantia que poderia sobreviver. Nesse momento resolveu me contar o verdadeiro drama que estava lhe amedrontando.
O velho começou a chorar novamente, suas mãos tremiam mostrando que as lembranças ainda o assustavam muito. Urando correu para pegar um copo com água. Na volta já o encontrou mais calmo e finalmente Lin Ping voltou a sua narrativa.
- A historia que ouvi de seus lábios era impossível de ser levada a serio. Parecia um conto de ficção científica. No entanto, eu não possuía um motivo para desacreditar. Ela me falava com muita sinceridade olhando fundo dentro dos meus olhos.
- Está sentindo-se melhor? – Indagou Urando vendo que o velho gaguejava.
- Isso não é hora para esse tipo de pergunta. – Ping deu um soco de leve na face do rapaz. – Tentei lhe tranqüilizar, mas sou mesmo um idiota e não sei nada. Embora tenha lhe dito o contrario, o meu medo é que nessa hora Morga esteja em perigo, eu mesmo nem sei o que aconteceu com Raina. O que me fez cometer a loucura de me prontificar em auxiliar você nessa história, é o fato de que tem problemas semelhantes ao que já vivi.
- Qual foi essa história que sua mulher lhe contou? – Urando também estava nervoso e sua voz quase nem sai da garganta.
- Ela disse que havia por trás do Bar Lamento uma grande organização poderosa e rica que funcionava de maneira sistemática desde o fim do século dezoito. Ainda me lembro da sua expressão de medo ao mencionar alguns fatos. Uma dessas coisas me deixou perplexo, parece até que ainda escuto sua voz ao dizer gaguejando “já conseguiram até manipular os governos”, eu não teria como denunciar tudo isso. – Depois de um longo suspiro ele olhou pela janela e continuou. – Me pedindo que confiasse, ela se fechou numa concha tentando me proteger, não queria que eu soubesse mais do que poderia, assim, acreditava que minha segurança seria preservada. Até mesmo eu encontrava dificuldade em acreditar no que ouvia, como seria possível ajudar?
As palavras finais do velho professor foram pronunciadas lentamente como quem mede cada sílaba. Urando sabia que ele desconfiava de coisas que não ousaria dividir por temer ser interpretado de maneira equivocada ou atiçar a fogueira de desespero que fatalmente queimaria a alma.
- Como foi possível um policial se acomodar a esses fatos? – Indagou o rapaz com malicia.
- Fui contido pelo amor. Ela ficava desesperada quando eu demorava, não queria que eu me metesse num problema dela e correr riscos desnecessários, fiz uma promessa de manter minha curiosidade trancada na escuridão. Antes mesmo de Jumi nascer, pensei em romper minha promessa e fazer investigações, mas Raina me convenceu mais uma vez de que o risco maior seria dela já que vivíamos escondidos. Me submeti, amava demasiadamente aquela mulher. Ela achava que devíamos esperar o parto. No entanto, a história nem sempre corre no ritmo que desejamos. Na hora do parto, Raina passou muito mal estava sem tomar o seu remédio já há mais de um ano, ficou internada no hospital por alguns dias. Levei minha filha para casa e tive de cuidar dela sozinho. Quando voltei para visitar Raina e talvez levá-la para casa, fui surpreendido com a notícia de que já havia recebido alta e saíra com duas mulheres que legalmente poderiam removê-la.
- Foi apanhada! – Exclamou Urando.
- Isso mesmo! – Lin Ping deu um soco no ar. – Fui até o Bar Lamento, uma senhora muito bonita e simpática me recebeu numa sala decorada com peças do século dezoito. Disse sem mais delongas, que Raina havia retornado para casa já que precisava muito da medicação para sobreviver, assim, eu não era bem vindo naquele momento. Eu sabia que não adiantava persistir, devia cuidar de minha filha e pensar na segurança da mulher que amava, não queria vê-la morta por falta de medicação.
- Faz sentido! – Disse Urando tentando sorrir para o amigo.
- Mostraram-me uma gravação onde a própria Raina de maneira calma e serena, implorava que cuidasse de Jumi. Ela parecia me alertar de coisas que nunca poderei ter certeza. Frisou com muito cuidado, mais de uma vez, que eu não me preocupasse com ela, estava sendo bem cuidada e não poderia sobreviver por muito tempo nesse mundo e só me restaria tentar encontrar um meio para sofrer menos na resignação. Ela sabia que apenas podia me oferecer as belas lembranças de um grande romance e uma filha. Suas palavras pareciam sinceras e sem afetação característica de quem está sendo pressionado. Em sua conclusão, agradecia pelo meu amor, se despedindo como quem parte sem retorno. Abaixei minha cabeça me sentindo vencido, não colocaria a vida de Raina em risco, não sabia do que aquelas mulheres seriam capazes já que possuíam influência até no governo. Essa é toda a história.
- A doutora Vindara é a grande líder no Bar Lamento. – Urando pegou novamente o seu comunicador ficou observando os detalhes da última comunicação de Morga. – Vou até ela...
- Não seja infantil, não repita o meu erro que um dia fez com que minha amada nunca mais fosse vista novamente. – Lin Ping colocou a mão no ombro do rapaz. - Precisamos ter cuidado e agir com profissionalismo investigativo. Vamos rever mais uma vez a mensagem.
Eles escutaram com atenção as palavras de Morga e as migalhas das imagens a sua volta, ficaram certos de que estava falando da sala de Vindara, a decoração vista na hora do espirro não permitia dúvidas. Urando não lembrava de nada referente ao décimo primeiro dia junto de Morga, o que levou Lin Ping a deduzir se tratar do andar onde ela estaria no prédio do Bar Lamento.
- Ela fala em galgar andares... Muito esperta essa sua namorada! – Disse o velho professor com ar pensativo.
- Mas no elevador do prédio só tem dez andares! – Disse o rapaz coçando a cabeça nervosamente.
- Talvez ela tenha se enganado, mas o prédio parece maior. – Ponderou o professor.
- Quando olho pra ele, tenho a impressão de que tem o dobro.
- Andares secretos! – Ping deu um muxoxo. – Deve ter muito segredo nisso tudo.
- Como faremos para entrar?
- Primeiro preciso dar uma olhada no bar. – O professor socou a própria mão. - Conhecer o campo de batalha, planejar os detalhes.
- Vou com você! – Urando se agitou.
- Nada disso! – Lin Ping fez sinal para o rapaz se acalmar. - Não queremos chamar a atenção para a nossa investigação nessa altura da situação. Posso ir sem receio, estou fora da lista de suspeitos deles.
- Tenho uma idéia! – Exclamou o rapaz estalando os dedos e correndo até sua sacola aonde pegou um dardo. – Ele tem um dispositivo emissor de ondas de rádio, posso achar o sinal com o LSO, jogue no teto sobre a tampa de metal perto do elevador... – ele olhou para Lin Ping que parecia não entender. – Vou desenhar o mapa.
- Pra que serve? – Indagou o professor com desconfiança.
- Marcará a saída exata do duto de ventilação de um antigo túnel desativado da ferrovia, eu poderei entrar se for necessário, sairei bem perto do elevador.
- Agora estou entendo...! Me dê essas coisas. – Lin Ping pegou o mapa e o dardo saindo apressado.
Naquela noite, o coração de Urando saltava descompassado no seu peito, não lhe cabia fazer outra coisa senão ficar tentando encontrar um plano para salvar sua namorada e tentar desvendar o mistério do desaparecimento do seu amigo. Aguardou com muita ansiedade a volta do velho professor, mas sabia que só agiriam depois de pensar em todos os detalhes.

Capítulo 19

Capítulo 19

Jumi estava andando apressado por um corredor de um prédio moderno em forma circular com janelas panorâmicas quando o seu comunicador tocou. Sem pressa o retirou da cintura e atendeu mostrando preocupação no semblante. Recostou-se numa das janelas e ficou escutando em silencio olhando a cidade a sua volta. Parecia uma estatua, não movia qualquer músculo além dos olhos.
Finalmente parecia ganhar vida novamente, maneou a cabeça lentamente e resmungou uma confirmação continuando a escutar o que lhe diziam no outro lado da ligação. As pessoas passavam por ela de maneira apressada e uma moça tocou seu ombro e falou seguindo seu caminho.
- Não demore, vamos recomeçar em dez minutos!
- Estou terminado! – Disse Jumi ansiosa para se livrar da colega.
Ela realmente estava tensa e concluiu a conversa dizendo a quem estava no aparelho - “Tentarei ser discreta, acho que pode ser dessa forma”. Fez uma pausa e finalizou afirmando que ligaria assim que fosse possível, -“Esse é um momento inadequado”.
Recolocando o aparelho na cintura, suspirou profundamente e entrou numa das salas. Sabia que precisa fazer tudo da maneira certa, caso contrário estragaria todos os planos de sua vida. Olhou em volta observando a sala cheia de pessoas nervosas e sorriu para si mesma, eles nunca poderiam imaginar com quem estavam se metendo. Sentou-se sem pressa, ela precisava esquecer aquele assunto por algumas horas, teria de se concentrar na prova que faria dentro de alguns segundos.