quarta-feira, 18 de junho de 2008

Capítulo 28

Capítulo 28

A mudança de comportamento de Morga, fazia crescer uma nova desconfiança em Urando e Lin Ping. Ambos se mantiveram inquietos olhando tudo em volta, não conseguiam imaginar o que estaria realmente por acontecer e resolveram manter o silêncio. Não foi necessário aguardarem muito, logo uma parte da parede de vidro abriu e Vindara entrou no salão acompanhada por cinco mulheres.
Elas caminhavam lentamente e para surpresa de todos, reconheceram Jumi que veio ao encontro do pai e lhe abraçou falando baixinho ao seu ouvido. Em seguida sentou calmamente ao lado de Vindara na outra extremidade da mesa.
- O que ela lhe disse? – Indagou Urando desconfiado apertando o braço do professor.
- Disse que não corremos perigo!
Por algum tempo Vindara escutou as cinco mulheres falarem coisas que Urando e Lin Ping não entendiam. Morga tentava acompanhar tudo com muita atenção. Quando elas fizeram uma pausa para observarem algo que Vindara mostrava num pequeno aparelho, ela se voltou para o namorado.
- Estão discutindo sobre a necessidade de relatar toda a história. – Ela suspirou. –Jumi defendeu uma posição que chamava de imediata.
- O que isso significa? – Indagou Urando.
- Não sei, mas se for o que estou pensando, eu também defenderia essa posição. – Explicou Morga dando de ombros.
- Relaxem, vamos aguardar com paciência! – Pediu Lin Ping.
As mulheres voltaram a discutir de maneira acirrada, coisas que nem mesmo Morga era capaz de explicar. Os olhares de Urando e Lin Ping se concentravam em Jumi, de alguma forma acreditavam que ela estava defendendo a melhor posição embora não soubessem o seu conteúdo. O suor escorria pela testa de Urando que não conseguia controlar sua ansiedade e receios sem o colete, Lin Ping com as mãos cruzadas sobre o peito vestira o semblante com uma máscara indecifrável.
Depois de mais de uma hora, a discussão chegou ao seu final, elas sorriram e se cumprimentaram. Vindara, que parecia satisfeita, deu um longo suspiro e levantou-se acenando para Urando, Morga e Lin Ping se aproximarem para ocupar cadeiras mais próximas. Quando todos se acomodaram, ela pigarreou e sorriu.
- Não nos resta uma outra boa alternativa a não ser punir a falta de cuidado de Morga, seremos obrigadas a deixar tudo claro e sem mistérios de uma vez por todas e antecipar um planejamento elaborado por mais de vinte anos.
- Estou pronta para qualquer castigo! – Disse Morga de olhos baixos.
- Você estará de volta ao nosso planeta em muito breve. – Vindara olhou para Jumi que acenou com a cabeça concordando.
- Isso não me parece justo! – Disse Urando irritado.
- Tenha calma meu jovem! Se esperar mais um pouco verá que esse castigo não será uma coisa ruim. – Disse Vindara. – Para acabar com idéias equivocadas, peço que assistam com atenção por vinte minutos um documentário sobre nosso planeta, depois eu contarei detalhes específicos.
Ela fez um sinal para o alto, uma grande tela de definição primorosa surgiu saindo do piso, no fundo do salão. A primeira imagem eram estrelas em seguida um mar calmo de onde no horizonte aparecia nascendo um sol azulado com riscos amarelos para surpresa de Urando que havia sonhado com aquilo.
Depois de mostrar tomadas magníficas de campos completamente forrados de alimentos cultivados por autômatos com uma trilha sonora produzida por instrumentos desconhecidos, eles acompanharam a mudança de cenas rápidas passando por estradas modernas onde trafegavam inúmeros tipos de veículos. Uma grande cidade surgiu, e as ruas eram mostradas com detalhes, em seguida a imagem ficou congelada por alguns segundos diante de uma grande praça, onde centenas de mulheres muito belas andavam de um lado para outro carregando no semblante uma máscara de dúvida e melancolia. Alguns homens idosos passavam vez por outra e não havia crianças.
O sol azulado novamente e em seguida o sol amarelo da terra surgiu repentinamente o substituindo. O filme parecia ter chegado ao fim e ninguém conseguia entender muito bem o motivo daquela exibição. Urando observou no semblante do velho professor uma tácita demonstração de decepção por ver apenas imagens antigas do planeta Azzim. Quando Vindara explicou que agora seria exibida uma segunda parte, ele sorriu com malicia.
Novamente ela fez um sinal com a mão e na tela surgiu novamente a mesma imagem que iniciou o primeiro filme. Só que desta vez, foram mostradas ruas movimentadas e sim um prédio que parecia flutuar no ar onde se lia uma legenda em letras luminosas caracteres semelhantes ao da caixa de remédio que Urando encontrara com Morga. Vindara observou os semblantes confusos dos hospedes e traduziu “Laboratório de Procriação”. Começaram a surgir diversos úteros artificiais e uma mesa de reunião aonde uma dezena de mulheres discutiam. Uma narradora com voz calma começou a explicar em tom didático.
“Acaba de ser aprovado o projeto Procriação Terra, audacioso e com resultados de longo prazo, as primeiras experiências com semens de machos oriundos desse planeta, comprovaram que a reprodução ainda não será possível nesse momento em nossos laboratórios. No futuro teremos resultados positivos, quando forem feitas as miscigenações entre nossas mulheres e os machos da Terra. De acordo com a doutora Satter, precisaremos de um tempo muito grande para concluir os trabalhos, mas ele será fundamental para a sobrevivência da nossa espécie e do nosso planeta”.
A imagem se distorceu de maneira propositada e novamente apareceu no céu o sol azulado com riscos amarelos, em seguida casas começaram a surgir num bairro residencial, estava claro que era uma projeção virtual, crianças corriam pelas ruas, meninos e meninas acompanhados de homens jovens. Novamente a imagem distorceu e a imagem que parecia ser real surgiu, era a mesma praça mostrada no primeiro filme, crianças e homens passavam ao lado de mulheres que sorriam. Novamente a voz de uma outra narradora.
“O que foi projetado para procriar uma nova esperança em nosso mundo está acontecendo, hoje centenas de cidades já convivem com uma nova geração que começa a ser adaptada em nosso planeta. A vida agradece e podemos comemorar os resultados”.
O filme continuou mostrando o planeta Azzim como se ele estivesse se distanciando. A projeção foi concluída e a tela foi desaparecendo, retornando para a sua posição original no piso. Vindara explicou que eram fragmentos de imagens de noticiários exibidos em Azzim.
- Vindara! – Pediu Lin Ping para falar levantando a mão. – Não consegui entender o que pretende mostrando...
- Vou explicar! – Ela olhou para o teto. – As imagens iniciais eram da época em que a decisão de vir para a terra se tornou imprescindível. Nossos homens estavam sendo extintos, não havia como reproduzir mais uma geração de continuidade já que somente mulheres nasciam. A geração de homens produzidos pelo método de laboratório com semens armazenados era insignificante, em cada um milhão de crianças nascidas, apenas um era do sexo masculino e nem sempre saudável. Primeiro encontramos um problema nas relações afetivas, diante das circunstancias, não se podia evitar o desejo de mulheres sedentas de carinho, elas se completavam e esqueciam os homens. Embora nossa sociedade seja teoricamente conduzida por uma política Matriarcal, a vida exige tudo aos pares. Nosso planeta antes tão saudável e belo poderia morrer por falta de habitantes, nossa raça inteira não conseguia ter pela frente uma expectativa de sobrevivência no futuro bem próximo. A terra foi escolhida depois de muitas pesquisas, somos praticamente uma mesma espécie. Viemos em busca de machos, que gerassem filhos para uma sociedade calma e pacifica onde os homens se submetem de maneira dócil sem muitas contestações, por causa disso, evitamos temperamentos mais instáveis e turbulentos, como é o caso de Lin Ping. Não vou entrar em outros detalhes, sei que Raina deve ter contado essa parte para Lin Ping.
- Como vieram para a Terra? – Indagou Urando.
- Em uma nave especial, que demorou mais de um ano para atravessar a imensa distancia entre nossos planetas. – Explicou Jumi.
- Vamos diretamente ao que é mais importante nesse momento. – Disse uma mulher.
- Isso mesmo! – Vindara retomou a narrativa. – A vida na Terra precisava ser observada, por algum tempo, a nave ficou estacionada na órbita desse planeta, as doenças e vírus precisavam ser detectados para gerar a defesa orgânica de nossas mulheres. Nessa época, foi criado o composto mineral e de cultura de bacilos, denominado Xermo, um liquido azul injetável para compensar os efeitos do sol amarelo e prevenir doenças. Só depois disso, foi possível pousar e instalar o tele-transportador. Durante muitos anos, nossas voluntárias foram negativamente sendo influenciadas em suas ações pela cultura conservadora da Terra. Esse fato nos preocupava, as mulheres de Azzim que sempre detiveram o poder político, começaram a discutir sobre as mudanças de comportamento que essa experiência nos levaria. Os homens da Terra não se submetiam ao segundo plano da vida, por índole eram dominadores, mais ousados e imprevisíveis e não abriam espaços para as mulheres. Teríamos de preparar melhor essa sociedade avançando na liberdade feminina e cientificamente. Só assim estaríamos certas de que o processo seria controlado e para isso, as mulheres nativas da Terra deveriam aprender novos conceitos para receber da melhor forma qualquer alteração nos padrões já culturalmente estabelecidos. Isso foi sendo executado ao longo de séculos. No entanto, nosso principal problema se constituía no atraso tecnológico da Terra. Não poderíamos ser bruscas na nossa influência ou não haveria futuro. Para começar a ter uma produção satisfatória na geração de novos seres, passamos por soluções que nos surpreendiam. Primeiro, as coordenadas precisas para chegar nesse planeta em segurança, ficava numa parte do mundo ainda muito insignificante e cheio de problemas, com esforço e muita dificuldade espalhamos algumas de nossa mulheres pelo resto do mundo. As que ficaram próximas de cientistas, escritores, filósofos e políticos teriam um papel impulsionador. Posso garantir que não foi uma tarefa agradável. Algumas de nossas enviadas nessas missões, padeceram e até mesmo foram sacrificadas em nome do avanço cultural.
- Quando se refere as coordenadas exatas está falando dessa cidade que hoje moramos? – Indagou Urando baixinho para Lin Ping.
- Ninguém sabe a mulher que tem ao lado! – Disse o professor com um sorriso malicioso nos lábios.
- As coordenadas precisas estão exatamente no lugar que agora fazemos essa reunião. – Vindara suspirou percebendo a desatenção dos dois homens. – No início da operação, muitas voluntárias, nossas mulheres, morreram ao chegarem por desorientação molecular devido ao tele transporte, mas todo esse risco era necessário. Influenciamos descobertas maravilhosas que os homens comemoram, mas sempre havia uma mulher por perto para passar o conhecimento cientifico necessário muitas vezes já obsoleto em nosso planeta, sempre de maneira discreta. Aos poucos fomos deixando a Terra mais evoluída, tornando possível alguns empreendimentos mais audaciosos. Dentro de algum tempo, estaremos com nossa população estabilizada e voltaremos para casa sem a necessidade de manter toda a nossa organização, embora podemos garantir que será uma coisa lenta e gradual para evitar o caos.
- Se me permitem...- Disse uma das mulheres. – Nunca fizemos nada para prejudicar esse planeta, respeitamos a sociedade que encontramos, apenas lubrificamos algumas engrenagens para tudo evoluir mais rapidamente.
- Vocês raptaram pessoas...
- Calma Urando! – Disse Vindara. – Todos os homens que foram levados para Azzim, fizeram essa escolha por vontade própria, por falar nisso, seu amigo Bernardo foi um deles. Você seria convidado dentro de cinco anos, mas Morga antecipou nosso planejamento se envolvendo afetivamente...
- Não estou gostando dessa conversa. – Urando se exaltou. – Como me convidariam...
- Esse seu temperamento rebelde foi muito bem acompanhado. – Interrompeu Jumi. – A nossa querida professora Heloisa, nos enviou relatórios mensais.
- A diretora do orfanato é uma de vocês? – Indagou Lin Ping desconfiado.
- Preciosa voluntária colaboradora que faz um trabalho magnífico na seleção. – Disse Vindara se voltando para Lin Ping. – Realmente a professora foi muito habilidosa todos esses anos, graças ao seu trabalho, somos capazes de saber exatamente como fazer uma aproximação segura de nossos rapazes. No processo de elaboração e preparação de Urando, ele se mostrou o caso mais complicado que já encontramos. Filho de uma mãe calma e um pai genioso, a mistura explosiva que só na Terra é possível e difícil de prever. Ele seria preparado para uma missão muito maior, agora já não sabemos se ainda será viável.
- Que missão seria essa? – Indagou o professor.
- Não gosto que planejem minha vida! – Urando falou com indignação.
- Você é um líder natural. Seria um desperdício viver aqui na Terra para se tornar medíocre. Tem o perfil adequado para se tornar líder, o primeiro homem Ministro Maior, o que equivale aqui na Terra ao cargo de presidente. – Disse Jumi orgulhosa. – Poderá estudar melhor, se tornar um cientista, um homem com todos os requisitos para governar.
- Quem disse que quero governar? – Indagou Urando com deboche.
- Você sabia que Morga está grávida? – Indagou repentinamente Vindara encarando o rapaz que se assustou e arregalou os olhos. – Ela foi completamente maluca, não pensou um só minuto que você não devia ser envolvido ainda. Ela estava aqui apenas para colaborar no serviço do Bar Lamento, não estava inscrita no programa de reprodução da mesma maneira que Raina, ambas foram inconseqüentes. - Ela se voltou para Lin Ping.- A história se repetiu e temo que outras aconteçam fugindo ao nosso controle.
- O amor, a paixão e a cumplicidade romântica são coisas que aprendemos com vocês, no nosso planeta isso nunca foi coisa real, um sentimento desprezado. Nosso legado histórico de comportamento sempre esteve contido no padrão do desejo – Disse com ar sonhador uma outra mulher suspirando. – Também aprendemos com vocês o valor da música e seus benefícios, até como tocar vários instrumentos.
- Onde está Raina..., viva ou morta? – Indagou Lin Ping de supetão.
- Mamãe está viva e saudosa em Azzim, ela não consegue lhe esquecer, mas tem um trabalho importante por ser feito. – Disse Jumi olhando para o pai com carinho. – Ela voltou contrariada, não queria lhe perder, mas sabia que seria impossível levá-lo.
- Por enquanto, vocês estão liberados, Morga andará por ai com vocês para mostrar nossas instalações. – disse Vindara olhando demoradamente Urando. – Vamos continuar a reunião e se for possível, amanhã não precisará mais voltar a trabalhar naquela porcaria de serviço.
- Somos prisioneiros? – Indagou Urando desconfiado.
- De forma alguma...! – Vindara sorriu. - Apenas convidados, peço que nos ofereçam um credito de confiança por essa noite, poderão participar da nossa decisão e também terão oportunidade de escolher o que devem fazer de suas vidas.
- Estão convidados para conhecer Azzim! – Disse Morga eufórica. – Se aprovarem vai ser magnífico!
Eles levantaram silenciosos e se encaminharam junto com Morga para a caixa de transporte.

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